Entre Sem Bater - Água, Saneamento e Pobreza
Matt Damon disse:
"... nunca se resolverá a pobreza sem resolver a questão da água e do saneamento ..."(1)
É provável que as manifestações político-humanistas de Matt Damon não entrem em suas biografias nas redes sociais. Entretanto, quando ele aborda questões como a miséria(2), água e saneamento, temos um forte posicionamento político. Como se não bastasse, suas posições político-eleitorais são bastante firmes e suas ideias consistentes.
ÁGUA, SANEAMENTO e POBREZA
Com toda a certeza, a afirmação de Matt Damon é de um ativista que adquiriu consciência global sobre questões ambientais. Ao apontar para uma triste realidade, que molda o destino de milhões de vidas no planeta, ele abre uma ferida. Em outras palavras, podemos dizer que é um chamamento urgente para a ação civilizatória e humana. Assim sendo, é uma exortação que se entrelaça com as palavras de Jacques Yves Cousteau. O defensor da natureza nos alertou: "Nós nos esquecemos que o ciclo da água e o ciclo da vida são, na verdade, um só."
Enfim, a questão de muitas polêmicas sobre o meio ambiente e clima são importantíssimas. Contudo, o debate sobre preservação da água, saneamento básico e lixo, que não paramos de produzir, tem vinculação direta com a pobreza. Adicionalmente, é inconcebível a omissão de políticos e da mídia quando a pauta da miséria faz-se necessária nos orçamentos públicos.
SANEAMENTO
No cerne dessa questão vital está a interconexão entre a escassez de água, a falta de saneamento adequado e a persistência da pobreza. O acesso à água potável é uma necessidade básica, uma fundação sobre a qual a vida humana se constrói. No entanto, em muitas partes do mundo, essa base é frágil, e o ciclo da vida sofre com a escassez crescente de recursos hídricos. Desta forma, observamos que em todo o planeta, as pessoas com maiores deficiências são as que carecem de água e saneamento.
Mahatma Gandhi, líder icônico da luta pela independência da Índia, surpreendentemente, uma afirmação que deveria nos fazer refletir. Ao afirmar que "O saneamento é mais importante que a independência." colocou o maior objetivo de sua luta com vínculo à vida sadia. Essas palavras são como uma provocação profunda, que questionam nossas prioridades. Desse modo, sugere que, antes de conquistar liberdades políticas, devemos garantir as liberdades fundamentais. E a principal delas é a de viver em um ambiente saudável e limpo, com água de qualidade e saneamento ao menos básico.
SAÚDE
Deepak Chopra, um indiano como Gandhi, destaca a perspectiva da importância do saneamento, comparativamente com muitos avanços medicinais. A despeito dos que subestimam a relevância do saneamento em comparação com tratamentos médicos, Chopra defende prevenir doenças. Muitas doenças só encontram terreno fértil para prosperar se não houver água e saneamento de qualidade.
Desse modo, a água limpa e o saneamento adequado são pilares fundamentais para o aumento da expectativa de vida no geral.
Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, sintetiza a urgência dessa questão ao afirmar:
"Não derrotaremos nenhuma das doenças infecciosas que assolam o mundo em desenvolvimento até que tenhamos
vencido também a batalha pela água potável, pelo saneamento e pelos cuidados de saúde básicos."
Essa declaração reforça a inter-relação crítica entre a falta de condições básicas de higiene e a propagação de doenças. Do mesmo modo que Chopra, Kofi Annan e muitos outros destacam a necessidade de atuações globais para elevação da saúde das pessoas.
POBREZA
Ao olharmos para o estado atual do planeta, percebemos que a água, que deveria ser um direito humano universal, não passa de uma miragem. A escassez de água afeta não apenas comunidades distantes, mas também áreas urbanas densamente povoadas e carentes. A falta de acesso à água potável não só compromete a saúde, mas também perpetua o ciclo da pobreza.
É essencial compreender a íntima ligação entre a água e a pobreza nas cidades e até mesmo em muitas nações. Casos como do Haiti, Etiópia são verdadeiros horrores, entretanto não podemos ignorar essas situações e até mesmo algumas regiões do Brasil. E, desse modo, é assustador como se fala em privatização de serviços de água e saneamento para algumas localidades no país.
As comunidades que enfrentam escassez de água frequentemente veem suas oportunidades de desenvolvimento com limitações inexplicáveis. A água, surpreendentemente para muitos, é um catalisador para o crescimento econômico, a educação e a emancipação social. Sem ela, as comunidades ficam aprisionadas em um ciclo onde encontramos uma busca diária por água para a sobrevivência. Desta forma, grande parte do tempo e energia das pessoas direcionam-se para atividades improdutivas.
Como se não bastasse, o saneamento precário ou inexistente agrava ainda mais o quadro geral, pois faz crescer a possibilidade de doenças. A escassez de água, falta de saneamento, doenças, ausência de assistência médica provoca a piora do quadro de saúde geral.
O ditado popular que diz "... prevenir é o melhor remédio ..." encaixa-se perfeitamente na falta saneamento e na pobreza. O ciclo vicioso é cruel:
Instalações sanitárias precárias ameaçam a saúde da comunidade
Falta de saneamento contribui para a degradação ambiental.
Descarte inadequado de resíduos humanos ou não contamina os recursos hídricos.
Desse modo, as doenças proliferam, a degradação ambiental cresce, falta água, o saneamento não é suficiente.
DIREITOS HUMANOS
Os impactos da falta de água e saneamento provocam efeitos desproporcionais sobre as mulheres e crianças, dependendo das condições sociais. Em muitas partes do mundo, são as mulheres que carregam o fardo diário de buscar água para suas famílias. Esse fardo não só consome seu tempo, mas também limita suas oportunidades de educação e trabalho. Além disso, a falta de instalações sanitárias adequadas coloca as mulheres em situações de vulnerabilidade extremas.
As "comemorações" do dia, semana ou mês da mulher revelam a hipocrisia que teve uma exposição realística em "Viúva de Ferro"(3). Por outro lado, as condições desumanas em algumas guerras, como a da Faixa de Gaza ou de nações tirânicas, mostram nossa realidade.
O problema da água e do saneamento deveria ser um desafio para as comunidades sem privilégios, mas é, certamente, ameaça todas elas. À medida que a demanda por água aumenta em todo o mundo, as nações competem por recursos hídricos que possuem limitações.
Quando poderíamos imaginar que na Amazônia seus habitantes sofrem com uma seca monstruosa nos rios?
O abuso e desrespeito aos direitos humanos básicos leva a conflitos, deslocamentos humanos em larga escala. As migrações de pessoas no Oriente Médio, em partes da Ásia, na América Central são catástrofes humanitárias. A pobreza, muito em função do desrespeito à natureza e ao meio ambiente, está no topo das causas.
Portanto, a luta contra a pobreza está intrinsecamente ligada à busca por soluções sustentáveis para a crise da água e do saneamento.
PRIVATARIA DA ÁGUA E DO SANEAMENTO
A tecnologia e as políticas públicas, nestes tempos modernos, colocam questões complexas e poderosas que poderiam superar esses desafios. Por exemplo, inovações em sistemas de purificação de água, saneamento e métodos agrícolas eficientes podem mitigar a crise global. Outrossim, governos, organizações não governamentais e setor privado deveriam incentivar essas inovações e garantir a aplicação em larga escala.
Inquestionavelmente, a diminuição drástica da pobreza no planeta está intrinsecamente ligada à resolução da crise da água e saneamento. Como sociedade, devemos reconhecer que a água é mais do que um recurso natural; é a essência da vida. Ao garantir o acesso universal à água potável e instalações sanitárias decentes, não apenas aliviam o fardo da pobreza, mas avançam para um futuro sustentável.
É insano e cruel deixar que a iniciativa privada se aproprie deste recurso natural do planeta e das nações para remunerar acionistas de empresas globais. Os processos de privatização de água e saneamento que ocorreram na Europa estão em franco retrocesso e revisão. A ganância destes processos no Brasil(*) tomou rumo que prejudica as populações que mais precisam dos recursos.
Para combater a pobreza e a falta de água e saneamento no mundo, precisamos ter integração e coordenação em diferentes setores. Por exemplo, meio ambiente, saneamento, energia, devem ter o viés de sustentabilidade.
Algumas maneiras de ajudar a enfrentar esses desafios, certamente estão ao nosso alcance, quais sejam:
- Consumo Consciente da Água
Incentivar o uso responsável da água em todas as esferas da sociedade.
Investir em tecnologias e práticas que promovam a eficiência hídrica.
- Melhorias de Infraestrutura
Apoiar projetos de longo prazo com soluções sustentáveis para fornecer água potável e serviços de saneamento.
Garantir que o acesso à água potável não seja um luxo, mas um direito básico para todos.
- Educação e Conscientização
Educar as comunidades sobre higiene, saneamento básico e gestão sustentável da água.
Sensibilizar sobre a importância da preservação dos recursos hídricos e do uso responsável da água.
- Apoiar Organizações e Projetos Socioambientais
Contribuir com organizações que trabalham para fornecer acesso à água potável e saneamento em comunidades carentes.
Participar de iniciativas que visam melhorar as condições de vida das populações vulneráveis.
- Políticas Públicas Efetivas
Exigir a implementação de políticas públicas que promovam o acesso universal à água potável e ao saneamento básico.
Pressionar governos e instituições internacionais a priorizarem investimentos nessas áreas.
Combater as privatizações de fontes de energia, água, saneamento e limpeza urbana.
Certamente, essas ações, com implementação de forma coordenada, são valiosas no enfrentamento da pobreza, da escassez de água e falta de saneamento. Só assim, teremos melhores perspectivas de melhoria nas condições de vida das comunidades mais carentes.
PLANETA ÁGUA
Embora o planeta tenha mais água do que superfícies terrestres, a maior parte da água não é potável. Desse modo, os custos para termos água para todos, mesmo sendo muito menor do que os custos de uma guerra, são altos. Por isso, como tentamos demonstrar, a conscientização e educação de todos é essencial. Se parcela da sociedade defende privatizações e convence os mais pobres que é a solução, os desvios custarão caro.
Em suma, a humanidade não evolui e as produções pós-apocalípticas que mostram a falta de água e saneamento, pode se tornar uma realidade. Estes tempos modernos em que até a terra plana ganha seguidores, dão mostras de que estamos perdendo o controle de tudo. Capacitar as comunidades, e até grupos de redes sociais para entender a importância da água e do clima, é crucial. Disso depende nossa saúde e bem-estar hoje e de gerações futuras.
Caso contrário, prevalecerá o pensamento de Guimarães Rosa: "... água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade, só tem valor quando acaba ...".
P. S.
(*) Os processos de privatização no Brasil, de forma enganosa, aparentam melhorar os serviços, mas não o fazem. Analogamente ao que acontece na Europa, a baixa qualidade do serviço e seus custos mostrarão que a privatização da água é um erro grave.
(1) "Entre Sem Bater - Matt Damon - Água, Saneamento e Pobreza" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/11/entre-sem-bater-matt-damon-agua-saneamento-e-pobreza/
(2) "Entre Sem Bater - Alexandre Dumas - Miséria" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/07/entre-sem-bater-alexandre-dumas-miseria/
(3) "Entre Sem Bater - Xiran Jay Zhao - A ´Viúva de Ferro`" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/08/entre-sem-bater-xiran-jay-zhao-a-viuva-de-ferro/