ROTINAS DO MEU TEMPO DE GURI

Quando guri, pobre, em Rosário do Sul, lá pelos anos 60 quando eu tinha 12 para 13 anos, a vida me impunha uma rotina exaustiva mas prazeirosa que, de manhã, compreendia assistir das oito horas ao meio dia as aulas, no saudoso Plácido de Castro ,ministradas pelas professoras dona Iara Mayer, Ecyla Nunes e pelos professores Perrot, Leão Warren, José Scher, Rubens Sica, Gino Lorenzoni, Adão Nunes Prates, e o Padre Antônio- que nos ensinava Religião. Estes e estas mestras, cujos sábios ensinamentos e conduta cidadã, os transformaram, naquele tempo e hoje, em verdadeiros modelos de homens e mulheres de bem, aos quais tenho o dever de honrar, mesmo que em lembranças.

Pela tarde, as obrigações familiares me levavam, para a estação Ferroviária, onde junto com mais dois ou três companheiros, da mesma idade, empreitávamos junto ao Sr. Negrito Souto, Vagões de Areia para carregar e que, depois, eram puxados , pelas máquinas Ferroviárias, com destino a Livramento....E, nestas mesmas tardes, quando nos mudamos, indo morar na Coronel Sabino de Araújo, o meu destino era Lenharia do Seu Ataúdes Aquino, onde com um machado de lenhador eu transformava em Astilhas, os tocos de eucalipto, aroeira ou cinamomos que a máquina cortava, já nos tamanhos certos.

Chegava em casa mais ou menos, às oito horas da noite, não sem antes de, com a féria do dia, comprar no seu Tuca Pacheco, o café (que seria engrossado com farinha de mandioca, para render mais) o leite e as “gajetas uruguaias” que serviriam de alimento para nossa família, naquela época, composta por minha mãe, meu pai, meu avô ,minha irmã de criação e meu seis irmãos mais novos do que eu.

A noite fazia os temas de casa e, depois, à luz fraca de uma vela me entregava a leitura de gibis – cujas histórias me transportavam para o convívio de Roy Rogers, Búfalo Bill, Hopalong Cassidy, Flecha Ligeira, Billy Kid, Jerônimo, Jesse James, Mandrake, Fantasma,Lassie e Flash Gordon.

Com eles, em imaginação, eu viajava das grandes metrópoles americanas para os descampados do velho oeste ou para os promontórios das Montanhas Negras e me encantava com o viver dos bravos povos indígenas que, montados em cavalos pretos e brancos, andavam pelas pradarias construindo suas histórias e defendendo seus territórios dos invasores brancos, para quem , os índios, eram sempre bandidos e sanguinários.

Não raro sonhava com duelos, aos fins da tarde, entre mocinhos e bandidos e com guerreiros Sioux, Apaches, Arapaos ou Pés Pretos, defendendo suas vidas e seus territórios.

Muitas vezes ficava na janela de algum bar, imaginário, assistindo brigas de Cow-boys que não raro resultavam em tiroteios que só acabavam com a chegada do Xerife que restabelecia a paz e impunha respeito , com sua estrela no colete e dois revolveres na cintura, caídos à altura das mãos...

Essa rotina de infância, transformou-me em um trabalhador contumaz e em leitor assíduo...

Hoje não corto mais lenha nem carrego vagões de areia e nem compro “gajetas uruguaias” para servirem de janta, mas continuo trabalhando e lendo livros de todas as espécies, com mesma intensidade de quando guri... E com os meus livros, os quais tenho centenas, visito o mundo e passeio pelo universo das almas dos personagens e me encanto com suas falas, com suas histórias de vida, com suas tristezas com suas alegrias, com suas misérias e com suas riquezas.

Continuo um trabalhador e um leitor como sempre fui...mas o paradoxal do meu presente é que o meu trabalho não tem a poesia de uma pá cheia de areia, voando ao vento, até cair dentro de um vagão de trem e nem a alegria de conseguir transformar em lenha um toco da madeira mais dura...da mesma forma que as minhas leituras, não tem o mesmo fascínio e o encanto dos Gibis que eu li, sob uma luz de vela, na minha infância, nas noites quentes de verão ou naquelas que se tornam extremamente frias pelas geadas que caem, nos invernos, da minha fronteira...

ERNER MACHADO
Enviado por ERNER MACHADO em 08/03/2024
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