Entre Sem Bater - A "Viúva de Ferro"
Xiran Jay Zhao disse:
"... isto é hilário. Os homens nos querem tanto pelos nossos corpos e nos odeiam tanto pelas nossas mentes ..."
É muito complexo e, com toda a certeza, tenho muita resistência para reproduzir frases e pensamentos de influencers e congêneres. Entretanto, num ato de altíssima tolerância, este texto é a partir de uma frase de alguém da geração Z, influenciadora e cosplayer. Quiçá, ajude algumas cabecinhas ocas de todas as gerações que afundam, cada vez mais, nas bolhas da estupidez.
VIÚVA DE FERRO
A ideia original do texto para o dia em que se homenageiam as mulheres, era centrar-se na figura lendária de Wu Zetian. A maioria das pessoas fala da China através do que leem e ouvem da mídia ou das redes sociais. Não passo nem perto do conhecimento(2) que alguns estudiosos da China conseguem disseminar. Por isso, queria valorizar a mulher, utilizando o exemplo da maior de todas, Wu Zetian. Entretanto, ao ver o posicionamento de Xiran Jay Zhao, e após ler as críticas ao seu livro "A Viúva de Ferro", não hesitei.
Não li o livro da sino-canadense, contudo, algumas partes e as críticas demonstram, sem dúvida, que Wu Zetian foi a inspiração para a obra. Desse modo, após alguns documentários e textos sobre a Dinastia Zhou(3) (Dunhuang)(*) sob o comando de uma viúva de ferro. A história não me deixa mentir, dinastias e impérios são, majoritariamente, masculinos. Wu Zetian deveria ser a maior heroína das mulheres e não somente das sino-canadenses e amantes da fantasia.
Em "Viúva de Ferro", Xiran Jay Zhao tece uma narrativa ficcional a partir da história de Wu Zetian, tecendo críticas sociais atemporais. Uma das mais relevantes é a utilização da vergonha e da culpa como ferramentas de controle sobre as mulheres, tanto na sociedade do livro.
Mesmo que a dinastia de Wu Zetian não conseguiu ser longa, mostrou ao mundo que muitas coisas poderiam ser diferentes. Surpreendentemente, ainda hoje, temos muitas mulheres que preferem ser escravas mentais de homens, a se insurgir. Por outro lado, gerações de jovens, como Xiran Jay Zhao, comprovam que existe um fio de esperança.
REALIDADE DA VERGONHA
Na fantasia da obra "Viúva de Ferro", as mulheres estão sempre em papéis subalternos, e inferiores aos homens, o que é nossa realidade. Aquelas que ousam desafiar essa ordem sofrem punições com severidade e, de forma recorrente, através da humilhação pública. A ameaça à vergonha pública é uma arma, como a "Espada de Dâmocles" para manter as mulheres "na linha". Assim sendo, ao reprimir e praticar a opressão, elimina-se qualquer aspiração de autonomia ou independência, inclusive de ideias.
Em nossa sociedade digital da atualidade, mecanismos semelhantes operam de forma sutil, mas não menos eficaz. Nesse ínterim, a cultura patriarcal, com seus dogmas religiosos e crenças, perpetua a ideia de que as mulheres são responsáveis pelos seus "infortúnios". A culpabilidade da vítima é um fenômeno comum, presente em casos de violência doméstica, abuso sexual e outras formas de opressão. E, surpreendentemente, com manifestações de aceitação e até cumplicidade de mulheres com resquícios de lucidez. Uma vergonha !
Desta forma, a expansão desta cultura e dogmas, nas redes sociais, a vergonha pública se torna ainda mais poderosa e cruel. O julgamento virtual, sempre impiedoso e anônimo, serve para silenciar vozes dissidentes e reforçar estereótipos de gênero. Mulheres que expressam suas opiniões ou desafiam o status quo sofrem ataques frequentes com ofensas, humilhações e até ameaças físicas.
O controle através da vergonha não se limita apenas às mulheres. Grupos sectários, intolerantes e agressores também se utilizam dessa ferramenta para manipular e dominar seus seguidores. Através de doutrinação e intimidação, criam um ambiente de medo e culpa, onde pune-se o questionamento e a obediência tem recompensas.
SUBMISSÃO E IGNORÂNCIA
A vergonha e a culpa são ferramentas de poder, para manter a ordem social e silenciar aqueles que se desviam da norma. As artimanhas nos fazem acreditar que temos liberdade de expressão, contudo somos falsamente livres(4). Para romper com esse ciclo, é necessário questionar os dogmas e valores que sustentam essa cultura de opressão. Contudo, com as redes sociais e a cumplicidade de muitas mulheres, superar a submissão e a ignorância coletiva é quase impossível.
Uma frase de Simone de Beauvoir intermedeia Wu Zetian, séculos depois, e Xiran Jay Zhao, décadas depois.
“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam
questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”
Nossa sociedade "moderna" não está evoluindo, repete erros e crimes, como se tudo fosse normal, aceitável e justificável.
SOCIEDADE MODERNA
A vergonha e a culpa controlam, com toda a certeza, muitas mulheres na sociedade moderna, como podemos destacar. Os exemplos a seguir são apenas aqueles que todas as mulheres já leram ou ouviram de alguém, e nenhuma se manifestou adequadamente.
Cultura do estupro: A culpa pela violência sexual é responsabilidade da vítima. Apresenta-se com críticas à sua maneira de se vestir, agir ou se comportar. Por isso, surge o medo e o silêncio, impedindo que as mulheres denunciem os crimes ou busquem a justiça.
Maternidade compulsória: A ideia de que a mulher só é completa se for mãe é uma forma de pressão social que gera culpa e frustração. O sectarismo e preconceito para com mulheres que não desejam ou não podem ter filhos é criminoso. Raramente, vozes dissonantes têm espaço em grupos do mundo real ou digital, para apresentar oposição a este constrangimento.
Disparidade salarial: A diferença de salário entre homens e mulheres para o mesmo trabalho é uma forma de discriminação permanente. Como se não bastasse, a mídia de massa e atualmente as influenciadoras de rede social pregam falsos equilíbrios e pequenos avanços. Inquestionavelmente, principalmente nas redes sociais, a ideia de que as mulheres são menos valiosas profissionalmente, prospera.
Padrões de beleza irreais: A indústria comercial da beleza impõe padrões irreais de corpo e aparência. Desse modo, aquelas que não possuem dinheiro para atender as "exigências" das redes sociais, "se viram nos trinta". As barbaridades por conta de padrões insanos provoca uma espécie de segregação, gerando isolamento e baixa autoestima nas mulheres. Como se não bastasse, o posicionamento dos homens, como na frase de Xiran Jay Zhao, é mais do que uma realidade eterna.
VERGONHA E CULPA
É provável que a luta de poucos para combater a cultura da vergonha e da culpa que se instalou em nossa sociedade seja estéril. Um texto como este, quando uma mulher não escreve, terá poucas leitoras femininas e talvez nenhum homem. Por outro lado, pode incentivar uma meia dúzia a pensar e agir de maneira diferente e romper o silêncio em grupos das redes sociais. Com toda a certeza, aparecerá algum homem para dizer que debater política e questões de gênero não pode nestes grupelhos. Algum tipo de energúmeno, com apoio até de mulheres, sectário e intolerante com mentes abertas e pensantes.
Desse modo, as iniciativas são simples de explicar, difíceis de contextualizar e quase impossíveis de praticar, ante a ditadura da validação.
Podemos afirmar que se as ações a seguir tiverem êxito, poderemos melhorar esta civilização digital.
Educação: É fundamental promover a educação para a igualdade de gênero e o respeito às diferenças. Mais simples, impossível, basta começar em casa e apoiar as ideias igualitárias de seus filhos e netos nas escolas.
Empoderamento feminino: Certamente, o termo provoca arrepios nos héteros masculinos e prepotentes. Fortalecer a autoestima e a autonomia das mulheres é essencial para que elas se libertem das amarras de culpa e da vergonha.
Denúncia: É importante denunciar casos de violência e discriminação contra as mulheres. Mais do que isso, enquanto a sociedade, com seus homens e mulheres, proteger agressores, não avançaremos. Por exemplo, qualquer mulher advogada que defende agressores de mulher, se iguala-se ao agressor e se alinha a ele.
Questionamento: Devemos questionar os dogmas e valores que sustentam a cultura da opressão. O opressor possui uma andragogia que inibe qualquer questionamento ou oposição às ideias. Desse modo, ele impede qualquer avanço, igualdade ou tolerância às causas e direitos das mulheres.
FERRAMENTAS DE CONTROLE
Ao rompermos com o ciclo da vergonha e da culpa as mulheres elas poderão debater sobre como serem livres. Entretanto, até que comecem a entender sobre as ferramentas de controle que tolhem seus posicionamentos, estarão em desvantagem. Por exemplo, quando mulheres compartilham mentiras sobre qualquer tema, sem verificarem se é verdade, reforçam um grilhão. Desse modo, a independência para uma mulher, mesmo uma viúva de ferro, não está somente no que ela tecla ou deixa de teclar.
Devemos ajudar a todas a entender que algumas coisas devem ter combate cotidiano, ao vivo ou nas redes sociais, quais sejam:
A vergonha e a culpa são instrumentos de poder que pessoas utilizam para controlar e silenciar outras pessoas.
É importante questionar os dogmas e valores que sustentam a cultura da opressão.
Juntos e não como separatistas, todos poderemos construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos.
Espero que reflitam até que ponto a sociedade utiliza a vergonha e a culpa como ferramentas para controlar as mulheres. Inquestionavelmente, a única forma de escapar da opressão é não se desgastar pela aprovação dos outros.
Algumas coisas devemos lastimar, como, por exemplo, mulheres que não entendem o que significa ser uma viúva de ferro. Adicionalmente, podemos afirmar que, sem dúvida, gente jovem que não consegue ler mais do que 280 caracteres têm problema de adestramento. Acreditem, esta é uma homenagem às mulheres, que deveria ser diária, mas entrou no circuito comercial e hipócrita do mundo moderno.
"Amanhã tem mais" ...
P. S.
(*) As descobertas nas Cavernas de Mogao, com documentos de séculos de existência, deveriam ter mais atenção dos historiadores ocidentais. Mais do que aprendizagem, seria uma forma de destruir dogmas e crenças de religiões como cristianismo, judaísmo e islamismo. E ainda tem gente que acha que a China não é a maior nação do planeta, sob todos os aspectos. #FicaaDICA
OBS. Para algumas pessoas é chato ou desagradável. Para outras é repetitivo; entretanto seguirei afirmando que toda e qualquer homenagem em um dia específico é hipocrisia.
(1) "Entre sem bater - Xiran - A ´Viúva de Ferro" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/08/entre-sem-bater-xiran-jay-zhao-a-viuva-de-ferro/
(2) "Entre sem bater - John Locke - O Conhecimento" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/10/11/entre-sem-bater-john-locke-o-conhecimento/
(3) "Dinastia Zhou - Wikipedia" em https://en.wikipedia.org/wiki/Zhou_dynasty_(690%E2%80%93705)
(4) "Entre sem bater - Goethe - Falsamente Livres" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/10/entre-sem-bater-goethe-falsamente-livres/