Viaduto Zumbi dos Palmares
Saiu com uma única certeza, não voltaria mais para casa, nem mesmo para a janela de trepadeiras selvagens do próprio quarto de onde admirava o secreto amado. Deixou um envelope na caixa de correspondências e foi caminhando pelo bairro. Refez o percurso que tivera feito durante três anos consecutivos enquanto estava cursando o Ensino Médio. Pelas margens da avenida viu a melhor amiga, a que conhecera no colégio e que hoje já não se falavam tanto, mas mesmo assim sentia um enorme carinho e consideração por ela.
Quando alcançou o viaduto parou e viu seus assaltantes andando de bicicleta por entre os carros, desejou que um ônibus abrisse seus crânios naquele asfalto fumegante das 13:30 e os pombos se alimentassem daquela sanguinolência podre. Usando o ódio como impulso, pulou as barras de proteção e se sentou na beira da lateral da ponte. Observou as águas imundas correndo ferozmente e elevando incontáveis detritos e lixo, imaginou-a corrompendo-lhe por dentro, entranhando o odor fétido de esgoto por seu interior. Então, levantou-se e caminhou pelo beiral até ver a pista abaixo dos seus pés.
Ninguém lhe enxergava, possuia esse dom desde muito cedo e o tempo só foi melhorando-o. Não se arrependeria, pois já nascera tal qual os olhos de Tereza, velhos, tinha a impressão de que já tinha vivido demais, mesmo na flor da juventude.
Levantou-se devagar, fechou os olhos, aumentou o volume da música nos fones e deu um passo em direção ao fim.