Brasil: povo que nada lê, professores que nada lêem, cultos incultos. Ou: Eu tenho diploma.
Um passarinho, e não o que vira e mexa me agracia com a sua adorável presença, trouxe-me uma notícia que dá o que pensar, uma notícia com duas informações, ou duas notícias cada uma delas com uma informação, não sei ao certo. Ele, um tanto quanto tagarela, a matraquear pelos cotovelos, falando mais do que a boca - quero dizer: mais do que o bico - disse o que tinha para me dizer com a sem-cerimônia comum aos da sua espécie, e foi-se deixando-me uma sensação enormemente desagradável, incômoda, não dele, passarinho, criaturazinha simpática, amável, conquanto não saiba, mantendo a língua sob seu estrito controle, que ele em nenhum momento esforçou para impor-lhe, organizar, ao falar, o que lhe vai na cabeça, mas do objeto de sua eloquente explanação: o Brasil. A sua elocução, de uma loquacidade espantosamente atraente.
Disse-me ele que... 'pera lá! Por que iria eu dizer o que o meu emplumado amigo me disse se o que ele me disse ele me disse melhor do que eu poderia dizer?! Então, faço bem se eu reproduzir o mais fielmente possível as palavras dele, mas não todas as que ele me disse, pois são elas muitas, mas as do trecho que mais me deu o que pensar, e o que me deu a pensar foi muito.
Aqui vai, então, a palavra do passarinho meu amigo:
- O futuro do Brasil, meu caro, se não será um inferno, e um dos de torrar a alma dos espíritos malévolos, fazer churrasquinho dos malvados, não será o céu. E cá entre nós, se tu me permites, digo: vós brasileiros ireis sofrer à beça nos anos vindouros. E não é o meu desejo, não, ver o povo brasileiro sofrer. Convenhamos: vós brasileiros estais a pôr tudo a perder. Digo bobagem?! Não?! Sim?! Não é o Brasil a terra em que se plantando tudo dá?! É. Mas, o que se planta em tal terra?! Terra tão fértil precisa de fertilizante extraído de outras terras?! É para se pensar. E não é o Brasil o país do futuro?! Dizem que é. Até um livro escreveram com tal título. E é o futuro do Brasil cantado em prosa e verso. E cadê o futuro do Brasil?! Oh, futuro esquivo, que dos brasileiros escapais! Ou o futuro do Brasil já veio, já foi, e ninguém viu. Perderam os brasileiros o bonde?! É provável. Mas vês, meu caro: o brasileiro, o brasileiro típico, o brasileiro brasileiro, orgulhoso de o ser, o brasileiro, como se diz, médio, o brasileiro afegão médio, o brasileiro é aquele tipo de gente que sabe tudo de tudo, nasceu sabendo, e, porque nasceu sabendo, dispensa-se de estudar o que quer que seja: tem horror aos livros, aos bons livros, que se saliente este ponto, que é de suma importância para se entender o brasileiro. E é o brasileiro típico o encontradiço em qualquer canto, em qualquer cidade, de qualquer escolaridade, de qualquer família, seja a família rica, seja a pobre, seja a nababesca, seja a miserável. O brasileiro que se orgulha de o ser tem o dom de desprezar o conhecimento, de torcer o nariz para a cultura. Não é assim, não?! Não é o que se vê por aí?! Não é o que tu vês, caro colega?! Ora, brasileiro não lê livros, bons livros. Histórias homéricas?! Poesias de Gonçalves Dias?! Romances balzaquianos?! Tolstoianos?! Porque perder tempo com tais bobagens?! A Bíblia?! Meu Deus! Só tem histórinhas para assustar crianças! História?! Por que aprender o que quer que seja da guerra do Peloponeso?! De que serve saber de tal guerra?! As guerras napoleônicas?! Napoleão que se lasque! Canudos?! Malês?! Sabinada?! Não se sabe nada, mas têm-se orgulho de nada saber. Que orgulho! Um trocadilho legal! Ser ignorante, inculto, nada saber, e desprezar quem sabe... Vês: li: cada brasileiro lê, em um ano, se muito, um livro, qualquer livro. Ah! E os Diálogos?! Por que perder tempo lendo conversa alheia?! E dos gregos! Ler Euclides, Descartes, Leibniz... Perda de tempo! Um livro! Meu caro, o brasileiro afegão médio lê, em um ano, um livro. E olha lá! Se há um brasileiro que lê trinta livros, então vinte e nove nenhum livro lê. Captou a mensagem?! No Brasil, gente diplomada lê um livro, unzinho só, com muito sacrifício e suor! Estou tentando encaixar um trocadilho... Que trocadilho... Logo o ouvirás. Logo. Se não lê, e não lê bons livros, o brasileiro não amplia a sua imaginação e os seus conhecimentos, daí ser a imaginação do brasileiro tão pobre e os seus conhecimentos tão empobrecedor. Brasileiro não sabe falar nada além do que lhe toca o umbigo. Nada lê, nada sabe, mas tudo acredita saber. Se não tem idéia das dimensões de sua ignorância... E sabes o que é pior, amigo? Não?! Os professores brasileiros também nada lêem. Não estou a brincar. É de suma importância a leitura de bons livros, e que suma quem nada lê. Achei o espaço, que eu procurava, para encaixar o trocadilho, que me animava a cabeça há um bom tempo. E devido ao desprezo pela leitura de bons livros e o horror ao conhecimento, o brasileiro não tem meios de aproveitar as oportunidades, que se lhe oferecem, para fazer do Brasil um país melhor, infinitamente melhor. É, ou não é?! Não é o Noé, eu sei. Tu me perdoas a piada... Não resisti. "É, ou não é?!", "É o Noé?!" Entendeste?! Não?! Tudo bem. Não faz mal. Eu só te peço que penses no que eu te disse. Conversaremos a respeito em outra ocasião.
Deram-me o que pensar as palavras do meu amigo passarinho. E o que me deram a pensar não me agradou nem um pouco, não foi do meu gosto. Quem é que, sendo brasileiro, e mesmo não o sendo, no Brasil nunca se deparou com criaturas soberbas, de nariz empinado, peito estufado, num tom pra lá de presunçoso a descarregar as suas platitudes, bobagens sem fim, a arvorar-se intelecto privilegiado, ser cultíssimo, a esfregar seus diplomas universitários em nariz alheio? Ora, no Brasil, não pouca gente acredita, o diploma universitário - e o carro do ano na garagem, e os milhões nas contas bancárias, e as roupas com selos de marcas famosas - é atestado de exemplar formação cultural, literária, filosófica, histórica, científica, psicológica, antropológica, neurológica, paleontológica, geográfica, parapsicológica, sociológica, astronômica, futebolística, basquetebolística,automobilística, aeroespacial, química, biológica, etecétera, e tal. E pensar que tem o Brasil um dos piores sistemas educacionais do mundo, e que mais de sessenta por cento dos brasileiros recém-saídos das escolas, à conclusão do segundo grau, não alcançam o mínimo em Matemática, e nem em ciências, e mal compreendem o que lêem...