Entre Sem Bater - Deus Mercado

Pepe Mujica disse:

"... o deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência da felicidade ..." (1)

Escrever emitindo uma opinião, a partir de uma frase de qualquer político é, à princípio, sempre algo de altíssimo risco. Entretanto, as frases e pensamentos de Pepe Mujica, em muitos temas, torna a ideia e opinião mais fácil. Desse modo, o deus mercado opera muito além dos limites da economia. Opera, sem dúvida, na mente das pessoas que nem imaginam como as diferenças das classes sociais determinam o preconceito e a segregação.

DEUS MERCADO

Em primeiro lugar, vivemos em uma era digital onde a voracidade do consumo e a busca incessante por validação social predominam. O ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, oferece, de maneira perspicaz, uma visão sobre o impacto desse fenômeno em nossa sociedade.

Sua perspectiva indica a incapacidade de continuarmos nesse mundo digital de consumismo(2) e não chegarmos à escassez material. Outrossim, ele também prevê as formas insidiosas de marginalização, frustração e autoexclusão. Esses efeitos, por sua vez, encontram a indiferença nas redes sociais. Surpreendentemente, muitos perfis(*) defendem causas que, paradoxalmente, contribuem para sua própria pauperização e exclusão.

A ILUSÃO DO ENGAJAMENTO POLÌTICO

Inquestionavelmente, nas redes sociais, a expressão de opiniões políticas muitas vezes se transforma em uma espécie de circo digital.  É provável que o verdadeiro engajamento consciente desapareça em prol do picadeiro da busca incessante por aprovação. A ilusão de uma  participação política, surge em compartilhamentos, curtidas e comentários efêmeros, que não passam de mera mobilização. Essa ilusão é o princípio ativo que mascara a incapacidade da sociedade de efetuar mudanças substanciais e inteligentes.

Essa superficialidade engana a todos, criando a ilusão de que estão contribuindo para alguma transformação, mas, na realidade, sua influência é zero. O deus mercado, inquestionavelmente, atua sobre todas as áreas e ganha espaço no moderno mundo digital.

Ao disseminar dogmas e crenças alheias, sem uma compreensão profunda dos problemas subjacentes, os indivíduos viram massa de manobra. Desse modo, eles se tornam defensores de políticas que, ironicamente, perpetuam a desigualdade e a concentração de poder. A marginalização aqui ocorre de maneira sutil, à medida que as vozes dissonantes silenciam-se diante dos discursos vazios e pela manipulação. A frustração se instala quando percebemos que qualquer esforço virtual não se traduz em mudanças reais. Assim sendo, ficamos à margem do processo político efetivo e de qualquer outro processo revolucionário.

O CONSUMO COMO MEDIDA DE VALOR PESSOAL

Nas sociedades digitais, a busca frenética por validação recrudesce a insanidade pela exposição constante à vida alheia nas redes sociais. A ostentação de bens materiais, viagens luxuosas e estilos de vida aparentemente perfeitos cria uma pressão social para manter uma imagem de sucesso. Por isso, o deus mercado traz ilusões como as aparências de consumo nas redes sociais como se fosse para todos. Aqueles incapazes de seguir esse padrão irreal enfrentam uma marginalização, intolerância e segregação digital. Por isso, a falta de recursos para manter estilos de vida irreais resulta em uma sensação de inadequação e exclusão.

Podemos tomar, por exemplo, o consumo de um torcedor de futebol com a camisa de seu time. A empresa de material esportivo, que não produz nada e só apresenta sua marca, explora trabalhadores para vender o material por um preço X. A maioria dos torcedores não tem a mínima condição de pagar aquele valor, aí surgem os vendedores de produtos "tailandeses". Surpreendentemente, a maioria quer consumir, na realidade ostentar, algo que não podem. Assim sendo, o deus mercado atua até no paralelo e coloca uma camisa de baixa qualidade e falsa por um terço do preço da "original".

E, como se não bastasse, ocorre uma espécie de autoexclusão, com os indivíduos se retirando das interações sociais por vergonha. A ideia predominante é de que por não atenderem aos padrões de consumo, como no caso do torcedor, são inferiores.

POBREZA DE ESPÍRITO

Por outro lado, a pobreza não se limita apenas à falta de recursos materiais, mas também se manifesta como uma pobreza de autoestima. A incessante comparação nas redes sociais alimenta o que de pior podemos ter no ser humano, a inveja. A necessidade de consumir e exibir constantemente conquistas materializa-se, cruelmente, como um ciclo vicioso.

A incapacidade de manter essa aparência de sucesso resulta em um isolamento virtual, intensificando a sensação de fracasso na corrida pelo consumo. Em outras palavras, um dos maiores males da nossa sociedade são os pobres de espírito(3) que estão à serviços da classe dominante,

O PODER DA MANIPULAÇÃO DIGITAL

A disseminação de informações se dá através de algoritmos e interesses comerciais, amplificando discursos e narrativas de quem tem o poder. Desta forma, esses discursos apresentam um desafio enganoso(4) que conta com a valorosa contribuição do deus mercado. Com toda a certeza, essa manipulação digital só beneficia as grandes corporações, perpetuando as desigualdades estruturais.

A marginalização se insinua quando as vozes das minorias sofrem com o sectarismo que favorece narrativas que reforçam a hierarquia social. Os pobres, sob influência de informações irreais, acabam defendendo causas que, na verdade, contribuem para sua própria opressão.

A manipulação digital cria um ambiente propício para a propagação de ideias que alimentam o consumismo desenfreado e desviam a atenção dos problemas fundamentais. A frustração apresenta-se quando os indivíduos percebem que suas lutas desviam-se para objetivos diferentes dos originais. Deste modo, quando as discussões mão abordam as raízes das desigualdades, as pessoas frustram-se. Adicionalmente, a autoexclusão ocorre quando as vozes autênticas sofrem com a ditadura dos algoritmos. Certamente, os menos privilegiados ficam à margem do diálogo público e perpetuando a ilusão de igualdade de oportunidades no mundo digital.

Em síntese, as redes sociais, longe de serem apenas plataformas de conexão, tornaram-se um reflexo de uma sociedade consumista ao extremo. Os comportamentos que emergem nesse cenário corroboram a teoria de Pepe Mujica. Revelam a fantasia do tal "deus mercado" numa uma rede complexa de marginalização, frustração, autoexclusão e pobreza.  A utopia de criar uma sociedade mais equitativa e justa, parece cada vez mais distante e inatingível. E, como se não bastasse, reconhecer e confrontar esses padrões, buscando formas de engajamento mais autênticas e conscientes está inviável.

A face oculta e perversa do deus mercado e suas artimanhas, nas redes sociais e grupos de comunicação instantânea só reforçam uma sociedade consumista.

Perdemos e Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A necessidade de ser integrante de algum grupo provoca comportamentos abjetos. Temos, por exemplo, pessoas que frequentaram até boas escolas, mas não conseguem pensar por si próprias, são medíocres repassadores de mentiras.

(1) "Entre sem bater - Pepe Mujica - Deus Mercado" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/07/entre-sem-bater-pepe-mujica-deus-mercado/

(2) "Entre sem bater - Noam Chomsky - O Consumismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/21/entre-sem-bater-noam-chomsky-o-consumismo/

(3) "Entre sem bater - Eduardo Marinho - Pobres de Espírito" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/06/entre-sem-bater-eduardo-marinho-pobres-de-espirito/

(4) "Entre sem bater - Pepe Mujica - Desafio Enganoso" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/27/entre-sem-bater-pepe-mojica-desafio-enganoso/