PALCO IMAGINÁRIO
E, de repente, me encontrei na Auto Estrada ouvindo um
velho CD onde, com caneta vermelha, estava escrito: Seleção das
confirmadas!
Passei do primeiro pedágio e a Maria Bethânia entrou
cantando Carcará. As margens da estrada e suas árvores, laterais e
centrais, os carros que me passavam ou dos quais eu passava,
desfilavam ante meus olhos como se fosse uma projeção de slides
antigos. A voz eterna, da moça da Bahia, foi tomando conta de todos
os espaços do carro...
Não sei quanto tempo se passou até que uma vós espanhola
forte, de mulher, tomou conta do meu palco solitário e Mercedes
Sosa, sem pedir licença, entra cantando Alfonsina e El Mar.
No meu estado alterado de consciência me encontrei
levantando da cadeira e aplaudindo de pé a Maria Bethânia que saia
a Mercedes Sosa que, nesta altura, já explodira o meu coração e a
minha alma, com sua voz e com seu sentimento.
Grossas lágrimas desciam de meus olhos e molhavam o meu
rosto, mas eu não queria e não podia parar de ouvir... ainda bem que
o segundo pedágio estava longe.
Novo espaço de tempo indefinível se passou, até o Marco
Aurélio Vasconcellos pediu licença para a Mercedes e entrou
cantando, Só Restou, do José Hilário Retamoso na Décima Primeira
Califórnia em 1981, que começa com fortes acordes de violão para
prosseguir, logo depois, com a forma de cantar, inconfundível, deste
cantor pampiano.
Uma estranha felicidade não me permitia parar de chorar.
Agora não eram mais lagrimas silenciosas, mas sim, um ruidoso e
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incontido pranto. Diminui a velocidade e fui para direita para poder
sentir, melhor, a apoteose do espetáculo...
O Marco Aurélio saiu do Palco e eu apertei o botão desliga
e continuei dirigindo, porque nada mais que eu ouvisse teria sentido,
ou teria sentido imprevisível...
O espetáculo acabou, o teatro imaginário acendeu as luzes e
abriu as portas.
Levantei da poltrona e saí para a rua. Dei uma olhada e não
tinha nem um bar onde eu pudesse sentar e comentar, com alguém,
conhecido ou estranho, o que eu tinha ouvido e visto.
As luzes do segundo pedágio se aproximavam. Abri o vidro
e entreguei dez reais para moça que, espantada, ao ver minhas
lágrimas, perguntou se eu estava bem.
Respondi que sim e que ia pagar, na saída, o que deveria ter
pago na entrada. Ela abriu mais os olhos, deu-me o recibo e o troco
e deve ter ficado pensando que tem “loco” para tudo... passei a
cancela e fui dirigindo, rumo a Porto Alegre, com uma estranha e
inexplicável e sensação de felicidade mas, com a certeza de que
tinha pago muito barato, pelo espetáculo inesquecível no palco da
auto estrada.