OS VELHOS AVÓS DE MINHA INFÂNCIA
Hoje, não sei porque, lembrei-me dos velhos avós que povoaram minha infância e minha adolescência e que habitavam as calçadas das ruas pobres de minha cidade.
Podia-se vê-los, aos fins de tarde, aproveitando os últimos raios do sol que se despedia, sentados em suas cadeiras de madeira com acento de palha, tomando chimarrão e fumando longos palheiros feitos às mão.
Os velhos avós tomavam mate e se cobriam de fumaça e as velhas avós faziam crochê ou costuravam, a mão , camisas , calças e bombachas de brim, velhas e surradas mas, muito limpas.
Eu, quando voltava , do trabalho, eu os via às dezenas como se fossem figuras esculpidas em madeira, emoldurando as paredes da frente das casas que, de tão velhas já não tinham mais reboco e mostravam tijolos vermelhos que, com as figuras dos velhos e das velhas avós formavam um encantador cenário para os meus olhos de guri que, ao passar por eles os cumprimentava e recebia como resposta um estranho som que mais parecia um grunhido do que um boa tarde ou um boa noite.
Hoje à distância os vejo, ainda, nas imagens que a minha mente , a minha alma e o meu coração, guardaram para sempre…
Me chamava a atenção os silêncios que se estabeleciam entre eles… eu concluía , naquele tempo ,que aqueles velhos casais que povoavam as calçadas da ruas pobres da minha terra, tinham falado tanto que não tinham mais o que dizer e se comunicavam, por olhares.
Por olhares que transportavam recados, de amor, de gentileza, de carinho e de paz, incompreensíveis para quem, de fora os observasse.
Hoje, tenho outra visão dos velhos avós e de seus silêncios…
Os vejo, agora, na névoa do tempo, silenciosos e tristes os avôs tomando chimarrão, fumando e as avós remendando velhas camisas , velhas bombachas ou velhas calças de brim.
Esta minha visão, de hoje é ,com certeza, menos poética que a do tempo de minha infância me transporta para os dramas e para os sofrimentos daqueles velhos homens e velhas mulheres e os vejo, sofrendo os mormaços e as invernias que a vida destina para os homens e para as mulheres que se aventuram na caminhada, árdua da pobreza.
Os vejo, silenciosamente, lembrando o começo de suas vidas, vivendo os sonhos, as alegrias, as comemorações que foram sistematicamente, sendo adiados e finalmente, esquecidos.
Os vejo, silenciosamente, rememorando as pequenas vitórias que foram suplantadas por grandes derrotas … e as alegrias que foram substituídas por imensas tristeza… Os risos que se transformaram em lágrimas que sulcaram seus rostos… como se fossem arados abrindo valas sobre a terra virgem…
Os vejo dançando abraçados em imaginários salões de baile e depois os vejo caminhando cabisbaixos porque as valsas se transformaram , como diria Castro Alves, em funéreo Canto.
Os vejo com as mãos calejadas plantando lavouras que não germinaram ou se germinaram os frutos foram comidos pelas pragas que infestam as vidas dos pobres plantadores.
Vejo as velhas avós arrumando mesas para visitas que não vieram e camas para convivas que não chegaram.
Então o cenário que guardei na minha alma, no meu coração e na minha mente se descortina e eu compreendo que aqueles silêncios dos velhos avós que povoavam as ruas pobres de minha cidade eram silêncios de dor, de tristezas, de lutos e de mágoas e me encontro, de repetente, chorando pelos velhos avôs e pelas velhas avós que , sentados em cadeira de madeira com acento de palha, contra paredes sem reboco, compuseram a peça da vida que assisti em minha infância.