Entre Sem Bater - Homens Banais
Hannah Arendt disse:
"... o mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas, que geral um sistema que permite que os homens banais façam coisas como a tortura ..."(1)
Podemos afirmar, sem dúvida, que Hannah Arendt viveu à frente de seu tempo. Também sabemos que ela não viveu o suficiente para constatar que o seu pensamento é mais do que pertinente com a explosão das redes sociais. É inacreditável como a manipulação mental(2) obstrui a capacidade de agir dos seres humanos.
HOMENS BANAIS
Com toda a certeza, se Hannah Arendt fosse viva nestes tempos de redes sociais estultas, estaria extremamente apoplética. Uma pensadora, até certo ponto contemporânea, vendo o que publicam nas redes sociais não aceitaria tudo facilmente. Sua experiência e seus posicionamentos sobre judaísmo, totalitarismo, racismo e outros destruiriam estes coaches de rede social. Seria interessante ver se estes comentaristas de portais e da mídia tradicional teriam coragem para entrevistá-la.
Por outro lado, como não vivemos num mundo ideal, resta-nos tentar, através das frases de Hannah, passar algumas de suas ideias. É provável que as poucas pessoas que leem estes textos da trilha "Entre sem Bater" parem e pensem por alguns minutos. Desse modo, após pensar , é possível, como também disse Hannah Arendt, que tenhamos alguma capacidade de agir(3).
A sua experiência com os regimes nazista e totalitarista demonstram que vivemos (a sociedade brasileira) num mundo à parte. Nossa história que não possui revoluções e tem muitos exemplos de golpes e torturadores, agora recebe a infestação de canalhas e genocidas.
Estes homens banais são uma espécie de praga, que surgem em fantasia como "Caçador de Marajás" ou de "Exterminadores de Mamatas". No entanto, não passam de pulhas e até mesmo criminosos, que servem ao diabo ou a algum deus que pague bem. Por isso, Hannah acertou em cheio nas suas ideias, menos na conceituação de homens de mãos limpas e homens banais.
MUNDO MODERNO
O mundo moderno, onde as redes sociais predominam, em sua essência, possuem ferramentas poderosas de comunicação e interação social. Contudo, analogamente à frase de Hannah "o mal não está nos enganadores e mentirosos, e sim nos homens de mãos limpas que geram o sistema". Desse modo, com a permissão de capitães-do-mato digitais, é possível que homens banais façam coisas cruéis e até criminosas. Assim sendo, podemos aplicar algumas analogias contundentes e demonstrar os malefícios das redes sociais.
O verdadeiro mal reside também nas plataformas em si, mas, notadamente, os aproveitadores, oportunistas e compartilhadores de mentiras. Estes perfis e personagens que assumem a polarização e a desinformação para promover a confusão são cúmplices de crimes. As agendas nefastas, muitas vezes em conluio com políticos, oligarquias e outros agentes de poder servem somente à enganação.
A ascensão das redes sociais transformou a paisagem da comunicação global, conectando pessoas e ideias de maneiras antes inimagináveis. No entanto, essa mesma conectividade tornou-se um terreno fértil para manipulação, disseminação de informações falsas e a proliferação de discursos de ódio. Os aproveitadores das redes sociais, à serviço de políticos inescrupulosos, agem como os homens de mãos limpas. Desta forma, ao gerar um sistema propício, possibilitam que homens banais promovam genocídios virtuais e reais.
TORTURA MODERNA
Assim como as torturas físicas, a tortura psicológica perpetra-se nas redes sociais com diversas peculiaridades do modernismo digital. Com toda a certeza, sob a égide de homens banais que buscam consolidar ou manter seu poder estas torturas prosperam. A manipulação da opinião pública, a disseminação de notícias falsas e a criação de narrativas são ferramentas comuns nessa seara virtual. É provável que as vítimas desse tipo de tortura não sofram castigos físicos, mas sua mente nunca mais é a mesma. Impactos profundos no comportamento, em função da desinformação e incerteza das mensagens enganosas são evidentes.
O uso de recursos tecnológicos a serviço de agendas sinistras é uma característica marcante desses aproveitadores das redes sociais. Bots(*) disseminam mensagens manipuladoras, amplificam discursos tóxicos e criam uma falsa sensação de consenso em torno de dogmas e crenças. Essas táticas, comuns para assessores de políticos e pregadores, visam desestabilizar a sociedade e grupos de pessoas. Desse modo, minam a confiança nas instituições democráticas e criam um ambiente propício para a implementação de medidas totalitárias.
DÉSPOTAS
Como se não bastasse, as redes sociais tornaram-se o palco preferido para as oligarquias e proselitistas perpetuarem seu domínio. A concentração de poder econômico, ideológico e político cresce em função da cooptação das elites que buscam manter seus privilégios(3). A disseminação de ideias contrárias a essas estruturas de poder sofre com as restrições. Assim sendo, qualquer voz da oposição recebe censura de algoritmos que privilegiam conteúdos que atendem aos interesses das elites dominantes.
Pregadores, por sua vez, encontram nas redes sociais uma ferramenta eficaz para disseminar suas mensagens dogmáticas e extremistas. O alcance massivo dessas plataformas permite que pregadores de ódio encontrem seguidores dispostos a se radicalizar. Por isso, cria-se uma atmosfera propícia para polarização, conflitos e intolerância.
Questões sobre a máquina de votar, vacina contra doenças e até cristãos entrando em briga entre judeus e mulçumanos se polarizam. Surpreendentemente, nenhum dos lados extremos arreda o pé, mas perdem tempo na mobilização das causas.
As redes sociais, inquestionavelmente, ao invés de serem instrumentos de diálogo e compreensão tornam-se arenas da discórdia. Transformam-se, outrossim, em terrenos férteis para discursos que alimentam divisões e hostilidades.
EFEITOS PERVERSOS
Com toda a certeza, os efeitos perversos não param nas hostilidades e polarizações, avançam perigosamente até na saúde mental. Influenciadores de redes sociais que não deveriam ter polarização política, como o LinkedIn, assumem a função que os canalhas mandam. Por exemplo, um destes venais, ao ler um comentário e indicação de texto da série "Entre sem bater" manifestou-se com obediência ao dono.
- Só de ler o título e a chamada do texto, vemos que não vale a pena ...
E segue utilizando-se do paralogismo e atacar o autor do texto que ele nem leu. Certamente, este tipo de estupidez é comum e conta com a proteção dos capitães-do-mato das plataformas.
Enfim, os homens banais e seus serviçais apropriam-se das tecnologias e com sua estupidez e ignorância dominam o mundo digital. Umberto Eco estava certo e os efeitos parecem que não cessarão tão cedo.
IDIOTA DA ALDEIA
É provável que uma das maiores ameaças à sociedade seja a união dos homens banais com os idiotas da aldeia, sociopatas e psicopatas.
Quando gestores públicos unem-se a empresários que defendem as mesmas propostas totalitaristas, o quadro que Hannah previu, consolida-se. Desse modo, crueldades como a privação das pessoas de necessidades básicas, um dos males mais profundos, apresenta paralelos nas redes sociais.
O acesso à informação de qualidade, necessidade básica, sofre distorções pelos algoritmos e o gente de má índole. Surpreendentemente, estas manipulações priorizam o sensacionalismo e a polarização, privando os usuários de uma contextualização dos fatos. A manipulação das necessidades de conexão, pertencimento e reconhecimento, transformam as redes sociais em instrumentos de controle e subjugação.
Em suma, as redes sociais, assim como o sistema que permite homens banais cometerem torturas, não são intrinsecamente más. O mal reside naqueles que as exploram para promover genocídios, atender às oligarquias, beneficiar pregadores de ódio. Do mesmo modo, é insano e cruel submeter a população a torturas psicológicas de efeitos devastadores.
Por isso, devemos manter o desafio de reconhecer essas dinâmicas e trabalhar coletivamente para destruí-las. Assim sendo, será possível mitigar os efeitos prejudiciais e promover uma utilização ética e responsável das redes sociais. Enquanto o brasileiro mediano não sair deste estupor e continuar votando em homens banais, só retrocederemos.
Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) Bots é uma abreviação da palavra robot (robô). É um software para a automatização de tarefas repetitivas, que aparentam ser de humanos ou com alguma inteligência.
(1) "Entre sem bater - Hannah Arendt - Homens Banais" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/05/entre-sem-bater-hannah-arendt-homens-banais/
(2) "Entre sem bater - Aldous Huxley - Manipulação Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/04/12/entre-sem-bater-aldous-husley-manipulacao-mental/
(3) "Entre sem bater - Hannah Arendt - Capacidade de Agir" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/09/08/entre-sem-bater-hannah-arendt-capacidade-de-agir/
(4) "Entre sem bater - Milton Santos - Os Privilégios" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/26/entre-sem-bater-milton-santos-os-privilegios/