Onomatopeia da alma
Te amei de novo ontem.
Eu sei, fica chato falar assim, repetitivo, mas é isso que dá pra fazer quando nenhuma outra coisa sobra. Talvez seja uma das coisas mais duradouras que tem, o gostar.
"Clichê", aprendi, é a onomatopeia que se tinha gravando uma mensagem. Naquela época era um trabalhão danado, tudo manual, prensa tipográfica.
Comprei um livro hoje. Fiquei feliz.
"O Brasil como problema", Darcy. Será que tem amor nele? Acho que não. Esse tal "problema" do título deve ser um desses mais sérios, não um bobinho como o meu. Na verdade, talvez o querer seja um fenômeno sociológico indefinido, o primeiro "não-problema" já existente. Uma imagem oca e frágil de desrespiro.
Darcy Ribeiro que me aguarde.
Ah, é, me perdi do assunto. Tava falando que vi você ontem. Pois é, pode acreditar, vi sua risada. Vi, mas era em outra pessoa. Faz sentido isso? Será que tou ficando doido mesmo? Do tipo de doidice de criar fantasmas de som?
Era um martelante, continuo, infindo, clichê. Lindo.
O dia foi longo hoje. Quando é longo assim, uma dor tipo agulha fina atravessa a cabeça. Se piorar, tomo remédio. Mentira. Não tomo. Durmo até passar.
Tava calor hoje, achei que ia morrer.
Li esse da Hilda Hist. Olha só como é um arrepio de beleza.
I
"Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada."
Mas vou indo agora
Já nem sei mais o que tô dizendo
tomar um banho e dormir
E sonhar penhascos
E pensar que a sua risada
É a onomatopeia da sua alma.