O SOM DE UMA LÁGRIMA CAINDO.

   Pensei em tantas maneiras de começar essa crônica, depois de vários inícios, de tantos rabiscos e frases apagadas, lembrei-me das palavras de certo personagem, e acredito que não encontrarei outro começo para expressar o que estou sentindo. 

 Portanto...

"Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre." ( Ariano Suassuna ).

 Escritor, filósofo, dramaturgo, romancista, artista plástico, ensaísta, poeta e advogado brasileiro. Ariano colocou essas palavras na boca de um de seus personagens, na obra por título  "Auto da Compadecida" , uma peça teatral em forma de auto escrita em 1955. Sua primeira encenação aconteceu em 1956, no Recife, em Pernambuco. Em 1999, foi apresentada como uma minissérie. Essa foi a adaptação mais conhecida, e foi editada em 2000 para exibição nos cinemas. Eu acredito que a grande maioria dos leitores que pousarem os olhos nesse texto tenham em algum momento assistido o filme, e, se lembrado das palavras do amigo de João Grilo, palavras essas que nos leva a uma profunda reflexão sobre a vida, a morte, principalmente sobre esse fato sem explicação que é a morte, por mais que pensemos estar preparados, seremos sempre surpreendidos, às vezes, estas surpresas são por demais doloridas. Foi exatamente essa dor que motivou esse desajustado cronista iniciar o texto dessa maneira, foi justamente devido a um acontecimento sem explicação, "trágico", ocorrido na família nesse último final de semana.

   Como foi difícil arrancar essas palavras do calabouço do peito, no âmago da alma chorosa... Mas, vamos adiante. Eu quero falar um pouco de um grande amigo, o conheci há alguns anos. Esse amigo morava na cidade vizinha a minha, casou-se com a sobrinha da minha esposa. Um jovem extremamente inteligente, alegre, brincalhão, comunicativo. Enfim... A expressão, "extremamente", não é nenhum exagero da minha parte, na verdade, a palavra não consegue mensurar o tamanho da alegria desse ser humano extraordinário. Fisioterapeuta pós-graduado, cumpria o exercício do seu ofício com muita dedicação, amava demais o que fazia, era um sonho em realização, trabalhando em diversos plantões para conseguir o melhor para sua família. Pai de uma princesa lindíssima, de dois aninhos. Todas as vezes que ele chegava em sua casa de algum plantão, buzinava a moto, fazendo todo barulho possível, era o seu jeito de dizer para esposa e para filha que estava em casa. A pequena "Manu" ao escutar a barulheira do pai, parava o que estava fazendo e saia apressada para recebê-lo, ( a voz meiga, de um anjo lêdo, dizendo... Papai, papai, papai, abrindo os braços para o melhor abraço do mundo. Ele com o seu jeito extrovertido, escancarando a curva de seu belo sorriso, fazia com que todos se alegrarem no mesmo instante.

   No final da última semana, quando ele saia para cobrir um plantão em outra cidade, trafegando por uma das rodovias, deparou-se com uma carreta fazendo uma conversão desnecessária e proibida, na tentativa de desviar a sua moto, colidiu com o último eixo dessa carreta... Não quero entrar em mais detalhes do acidente, perdoe-me por isso, uma grande tristeza paira sobre os nossos corações, a pequena "Manu" ainda está aguardando o barulho da moto do pai ao entrar na garagem, o som da buzina, o som costumeiro da sua voz. Eu queria poder expressar o som de uma lágrima caindo, para que os senhores leitores compreendessem o peso que tem o choro dessa esposa e as lágrimas nos olhos desse pequeno anjo, que, inocente, ao escutar qualquer que seja a moto buzinando próximo a sua casa, sai correndo de braços abertos e falando... Papai, papai, papai... Depois o silêncio, o vazio, o choro da mãe, ninguém a porta para recebê-las, e uma dor que não quer passar.

Que o altíssimo conforte os nossos corações.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 03/03/2024
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