Letícia
— Você conhece Letícia?
É uma pergunta direta, urgente, sem qualquer floreio inicial, sem o fastioso e socialmente recomendado "Bom dia". Agrada-me a ordem em que são postas as palavras, agrada-me o "você", agrada-me o verbo tão específico, agrada-me o nome, principalmente o nome. Desagradável mesmo é eu não conhecer Letícia alguma.
Ao sair de casa pela porta da frente e não pela janela, como gostaria de ter feito, corro certos riscos. Um deles é ser visto e inquerido, o outro é esquecer a porta aberta. Este, sem dúvida, é o mais lastimável e comum. Às perguntas, quando possível, a gente escolhe as que responder; a porta aberta, o porquê, apenas um especialista pode justificar a causa.
A este prestanista, que me faz esta pergunta objetiva, clara, requerendo de mim igual objetividade, igual clareza, "sim ou não", peço um aparte:
— Um segundinho, respondo, enquanto me certifico de que fechei a porta oficialmente.
Com a porta oficialmente fechada, ele retoma a pergunta, desta vez reformulada:
— Bom dia. O senhor conhece Letícia costureira?
Por um instante, minha lamentação aumenta: descubro que há mais de uma Letícia no mundo: existe a Letícia Letícia, a Letícia costureira e talvez existam outras Letícias, as múltiplas Letícias, e eu, o desconhecedor das Letícias.
Em um instante, julgo-me um dos sujeitos mais ignorantes do mundo, para logo em seguida ter certeza e responder à pergunta do prestonista:
— Bom dia. Não conheço não, infelizmente. Não conheço Letícia alguma, muito menos a Letícia costureira.
Após a resposta, o prestonista seguiu seu curso, e eu fiquei comigo, com trinta e duas chaves na mão, tais quais as Letícias, desconhecendo todas.