Você sabe onde fica o fim do mundo?
Carlos Emerson Junior (2014)
Sempre acreditei que o fim do mundo estivesse no caixa-prego. Ou pior, onde Judas perdeu as botas, lá no Cafundó! O fim a que me refiro é figurado, no sentido de distância, desolação e não o fim literal, o “caput” dos alemães, o final dos profetas, o juízo final, o holocausto nuclear ou coisa semelhante.
O fim do mundo existe? Claro que sim, e alguns maldosos juram que está em Brasília, naquele prédio com duas bacias no teto, uma para cima e outra para baixo. Outros garantem que já estamos nele, principalmente depois de tantos anos de incompetência, lambanças e desonestidade de nossos bem votados líderes.
Mas falando sério, quem nunca tentou impressionar a namorada jurando ir até o fim do mundo para trazer a flor mais linda? E se ela cobrasse, para onde você iria? Patagônia? Canadá? Sibéria? E por acaso, existem flores no fim do mundo? Ah, as bobagens que a gente diz quando ama….
Aliás, chamar esses locais de fim de mundo é uma injustiça só. Tudo bem que no norte do Canadá não mora ninguém, a Patagônia é da Argentina e a Sibéria é um imenso deserto gelado, com misteriosas estações de rádio soviéticas e cidades radioativas ocultas, só esperando ninguém sabe bem o quê.
Os antigos acreditavam que o mundo era chato - está bom, plano - e terminava logo ali, depois do Estreito de Gibraltar, numa cachoeira imensa e interminável. A medida que o mundo foi ficando mais conhecido, seu fim foi mudando para cá, para lá e acolá. Só não digo que foi parar no Irajá porque o bairro é facilmente acessado por qualquer ônibus das linha 350 e 629 ou pela linha 2 do Metrô.
Na verdade, o fim do mundo é o desconhecido. Quanto mais nos multiplicamos e ocupamos os espaços vazios do planetinha Terra, mais o fim do mundo vai sendo empurrado para a sua periferia. Podemos assim, afirmar sem erro, que o fim do mundo está sempre em mutação, procurando um espaço sem nada para se estabelecer.
A expressão “Caixa-prego” que usei no começo da crônica é um equívoco, naturalmente, já que Cacha Prego (assim mesmo, com ch) é uma praia da Ilha de Itaparica, muito bem-conceituada e famosa por suas areias muito brancas, mar calmo, quente e profundo, paz, beleza e sossego. Se esse é o verdadeiro fim do mundo, vou me mudar para lá!
Já a origem de “onde Judas perdeu as botas” é de uma esquisitice só. Depois de ter traído Jesus, Judas teria guardado os trinta dinheiros em um par de botas e se enforcado descalço. Mas, fico aqui pensando, usavam botas na Judeia, há dois mil anos? Sei não, para mim essa expressão é tão enigmática quanto “onde o vento faz a curva”. Como assim?
Talvez os antigos estivessem certos quando falavam da cachoeira para o nada. Sabemos muito pouco, ou quase nada, sobre os oceanos que nos cercam. Li uma declaração curiosa de um oficial da marinha australiana, sobre a dificuldade de procurar o avião malaio desaparecido no Índico: “ali não existem rotas aéreas ou marítimas. É muito fundo e o mar é hostil para pescadores. Ninguém vai naquela região, é o fim do mundo.”
Pois é, em tempos de globalização digital, nunca imaginei que um ponto do planeta seria tão desolado, a ponto de nem satélites ou radares militares apontarem para sua área. E acreditem, ele não é o único. São nos vastos mares, com sua flora e fauna tão própria que chega a ser um outro mundo, que apropriadamente se encontra o fim do mundo, o nosso, é claro, o lugar inatingível e impossível para o ser humano.
Respondendo à pergunta do título desta crônica, acho que o fim do mundo deve ficar logo ali. Além da praia.