AINDA É TEMPO DE CONTRACULTURA

Sua tela do smartphone estava sebosa. Em conversa com um amigo ele lhe falou que trocava a sua de três em três meses. Já fazia um ano e meio, desde que comprou a peça, que não mudava a película. Não dava mais para esperar. Foi rua à fora com o objeto de desejo dos ladrões, escondido na bolsa, e rumou para uma loja especializada em telefones móveis.

Assim que chegou um idoso se aproxima com um celular na mão. Ela já estava conversando com o vendedor sobre a melhoria da tela para leitura. O homem ao lado não se conteve: “Mas, isso tem a ver com a idade. Nós, velhos, já não enxergamos mais como antigamente”. A senhora olhou furtivamente para um senhor feio, gordo e baixinho. Viu logo que a sua antiga frustração tinha se deslocado para o envelhecimento. Resolveu ficar quieta. Em seguida, pediu ao vendedor que consertasse os seus erros de digitação.

O homem ao lado, inquieto, interferiu: --- Mas a senhora ainda quer aprender como se faz para tirar o erro? Eu não quero nem saber. – E para que o senhor tem esta máquina? -- Só uso para telefonar para minha mulher, filho e irmão. Estas máquinas controlam as nossas vidas. Eu heim! -- É verdade os algoritmos nos controlam e, pior, são os aparelhos eletrônicos/digitais. Se está apavorado prepare-se que já estamos no Great Reset. Depois ela se afastou do balcão para não ter de ficar conversando com uma pessoa tão chata.

Lembrou-se de seu smartphone e foi procura-lo na bolsa. E falou: “Não sei onde coloquei o meu celular”. Aí, o senhor nervoso falou alto: “Veja bem em sua bolsa, e em sua sacola. Esqueceu onde colocou”. A senhora se aproximou dele e o interpelou: -- Por que o senhor está tão preocupado com o sumiço do celular? – É que a senhora pode me acusar de ter roubado o seu telefone. – E eu falei alguma coisa, neste sentido com o senhor?

Depois se dirigiu ao vendedor que estava calado, presenciando o bate-boca e, com altivez disse: -- Por favor procure o meu smartphone que só pode estar no balcão. O rapaz imediatamente pegou o celular bem perto dele e entregou à sua dona. O homem intrometido pediu desculpa. A senhora começou a falar e ele começou a gritar: “Deixa de confusão. Deixa pra lá”. Mas a mulher desprezou a sua atitude machista: “O senhor além de ser preconceituoso e me discriminar também se auto discrimina”. E ele continuou aos berros: “Eu não discrimino ninguém”. Ela sequer se perturbou e continuou falando com a voz pausada: “Olha aqui senhor, cuida de sua vida e deixa a vida dos outros em paz”.

Em seguida, saiu da loja orgulhosa de sua performance. Será que o vendedor, com a confusão, não queria afanar o seu celular? Nestes tempos sombrios todo cuidado é pouco. Mas, o que ficou evidente é que o comprador não tinha autoestima ao renegar a sua velhice. Uma atitude de pessoa recalcada que é tão doentia quanto tratar os outros como objetos descartáveis, a exemplo dos grupos excluídos da terra, do trabalho e da distribuição social das riquezas.

Lutar contra o status quo é uma proposta dos Velhos da Geração/68 na França. Quem sabe não faz escola no Brasil?