Na companhia de Elizabeth Bennet
Com o objetivo de conferir a suposta fidelidade de um filme homônimo a um livro famoso, de 17/11/2022 a 14/02/23, cada dia um pouco nas horas vagas, passei vários momentos agradáveis na companhia de uma jovem centrada, equilibrada, forte, sensível e justa chamada Elizabeth Bennet, como se nesses momentos estivesse num bar sentado numa mesa conversando com ela.
Como nunca fui de sentar num bar jogando conversa fora com alguém, a imagem mais precisa seria a de uma conversa num quarto, eu deitado na cama enquanto ela, ou melhor, sua tutora e criadora, a britânica Jane Austen (1775-1817), me conta no livro “Orgulho e Preconceito” a vida dela desenrolando-se numa época remota, mais precisamente nas classes sociais de elite da Inglaterra vitoriana do início do século XIX.
É exatamente assim que me sinto quando leio um bom livro de ficção ou filosofia. Uma conversa viva com o autor ou com uma personagem fascinante. Tem coisa melhor do que conversar com pessoas que admiramos?
Eu já tinha essa ideia de que ler um bom livro é uma conversa de que desfrutamos com interlocutores inteligentes e que nos instruem. É verdade que é uma conversa sem feedbacks, mas quem se importa com isso se o que interessa é apenas assimilar o que nosso interlocutor nos diz com tanta sabedoria?
Mas essa ideia me foi ratificada de forma surpreendente por um amigo do CCM (Clube de Cinema de Marília), um simpático senhor já na casa dos oitenta, mas que permanece admiravelmente ativo como funcionário público da Prefeitura Municipal de Oriente (SP), cidade vizinha da cidade de Marília (SP), na qual resido.
Numa conversa casual com ele, ele me disse exatamente que, quando na companhia de um bom livro, ele se sentia como se estivesse conversando com um bom amigo. Fiquei agradavelmente surpreso com o que me disse, pois imaginava que essa era uma ideia exótica minha que não encontraria respaldo em outras pessoas, principalmente nas medíocres, como certo filósofo destacado na mídia que disse desagradavelmente que ler livros é “conversar com mortos”. Discordo totalmente. Porque quando lemos sobre filósofos ou personagens de ficção, na medida em que eles nos impressionam com sua inteligência ou nos comovem, eles estão muito vivos para nós. Quando terminei de ler “Orgulho e Preconceito”, fiquei muito triste exatamente como se Elizabeth Bennet, mais viva para mim do que qualquer amigo próximo, tivesse se despedido de mim para sempre.
Desde então, empolgado com Jane Austen, já li quase todos os outros livros desta autora, pela ordem “Razão e Sensibilidade”, “Emma”, "Mansfield Park”, enquanto agora degusto “A Abadia de Northanger” e para o futuro reservo “Persuasão”, este parece que o derradeiro dela.
Austen, Jane. "Orgulho e Preconceito". Tradução de Lúcio Cardoso. São Paulo: Abril, 2010.
(Crônica dedicada ao admirável amigo Miguel Zoqui Pedroza, que a inspirou, e que me surpreendeu ao endossar uma ideia peculiar minha sobre leitura que sempre me tomava, mas que guardava só para mim mesmo)