Cândido, o Quixotesco

Cândido era um rapaz dotado de consciência filosófica. Ele exercia um trabalho burocrático que irritava muita gente. Conferia documentos para embarque. Era odiado por tranbiqueiros, estelionatários e descaminhadores de carga travestidos de condutores/empresários do transporte. Detestavam o Cândido e seu apego à Lei.

Cândido tentava resetar as próprias emoções no estudo do Estoicismo. Queria dominar a ataraxia. Sentia perturbações de sono, pesadelos e ouvia vozes de ameaças daqueles que tiveram seus vistos negados quando deitava em sua cama... Eram como fantasmas assombrando-o.

Cândido acreditava nas Leis para manter a Ordem. Porém não acreditava em mitos. Só na força pura da Lei. E como vivia em tempos de leis frágeis e vagas, ele sabia que um dia seu apego seria confundido com utopia.

Cândido era ansioso. Porém o Estoicismo ajudava-lhe melhor que qualquer ansiolítico. Ele mentalizava a paz interior e regava suas intenções com boa música enquanto exercia seu ofício.

Certo dia, Cândido foi atender um Barão dos Transportes. O homem cheio de trejeitos e jargões, dizia que conhecia uns coronéis, uns senadores e que a Lei era algo relativo. Cândido negou-lhe o pedido por falta de documentos, tratando-o como um cidadão qualquer, "nos termos da Lei".

O Barão ofendeu-se. Elevou a voz. Gritou com Cândido subjugando-o de "besta burocrática em tempos de economia difícil". Cândido manteve a postura e silêncio. Logo, o Barão foi ao Superintendente relatar o ocorrido entre ele e Cândido.

O superintendente, calmo, acolheu a demanda e passou a vigiar os movimentos de Cândido. Implementou uma escuta telefônica clandestina no ramal do funcionário para "pegá-lo" no pulo.

Dias se passaram e o superintendente nada encontrou. Cândido conhecia e dominava a Lei e jamais havia cometido ilícito ou improbidade. O superintendente ficou abismado com o que descobriu sobre o trabalho do pobre Cândido. O funcionário era um mito na lisura e honestidade e recebia pouco dinheiro. Ele ficou constrangido e repreendeu o Barão pela má fé e maledicência.

Porém, o Barão, cheio de vaidades e de amigos no Judiciário, fofocou algo a um e outro, e o Juiz compadeceu-se dele, concedendo-lhe uma liminar para que ele pudesse porcamente furtar a preferência e passar por cima da Lei. Assim. o porco Barão dos Transportes conseguiu fazer o que quis ao custo de um Judiciário suíno.

Ao saber da liminar, Cândido viu que deveria ficar em silêncio e em discrição, pois os tempos de Leis Frágeis contam com inimigos da Lei e da Ordem para favorecer aos amigos. Seu trabalho era quixotesco por acreditar no que é correto fazer.

Moral da história: Mesmo que muitos de nós cegamente acreditemos na Lei e na Ordem, uns porcos do Judiciário e seus amigos políticos vão aporcalhar tudo cedendo liminares para outros porcos mafiósos.

Glaussim
Enviado por Glaussim em 28/02/2024
Reeditado em 28/02/2024
Código do texto: T8009130
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