MACAQUICE ULTRAJANTE

Manhã de domingo tranqüila no zoológico, as crianças vibram diante da jaula dos macacos fazendo mungangos e dizendo chacotas para os bichos. Um enorme orangotango olha distraído as pessoas, em absoluto silêncio. Atrás dele, também na calmaria do instante, um pequeno macaco empoleirado num galho fitava o vazio indolente. Este se mostrava quase temendo a própria sombra, embora não houvesse razão aparente para isso, pelo menos a princípio não vi isso.

Em pouco, contudo, repentinamente, como se tivesse tomado uma decisão muito importante, o macaco grandalhão saiu de onde estava, subiu os galhos secos da árvore, aproximou-se o mais possível do macaquinho, para quem virou a imensa buzanfa colocando-a a milímetros do focinho do outro, isso ele, o brutamonte, calado o tempo todo, mas peremptório e, na maior calma do mundo, disparou-lhe no rosto uma sonora e demorada flatulência. Isso mesmo, um peido, para ser bem mais direto e exato. Foi um ato tão extraordinariamente acintoso e deliberado, tão direto e insultuoso que era como se estivéssemos vendo os gases voando em louca disparada para a cara do macaquinho indefeso. Creio que a aflição durou muito além da imaginação. O macaquinho permaneceu quieto, não saiu do seu lugar nem esboçou qualquer reação, a não ser externar numa careta feia o mal cheiro que certamente estava sentindo ante a explosão inesperada de gases pútridos em suas narinas. A multidão, agora silenciosa, olhava a cena com expressão de perplexidade, as crianças de boca aberta, todos sem entender o por que daquilo. Aquela repentina cena estapafúrdia parecia saída de filme nonsense, tão estranha se mostrava. Era algo realmente inusitado. Mas estava acontecendo sim, bem diante dos nossos olhos, sem tirar nem por. Terminada a espantosa presepada, o orangotango encarou durante alguns segundos o seu desafeto e colocou no focinho aquele ar safado de quem diz, atrevido e desafiador: "achou ruim?" E, por alguns instantes, aguardou a resposta a seu desafio prepotente. Pura covardia de fanfarrão que se esconde no seu tamanho descomunal em relação ao seu semelhante para mostrar-se valentão e invencível. Como o macaquinho simplesmente baixou os olhos sem reclamar ele desceu do galho, voltou para o seu canto à frente da jaula e ficou olhando as pessoas como se nada demais tivesse acontecido. O tremendo sacana!

Bem, eu fiquei pasmo, não resta dúvida. Aquele tipo de comportamento me pegou de surpresa, me surpreendeu mesmo. Puxa!, até no reino animal alguns covardes brutamontes gostam de ser algozes dos fracos e mostram sua força para aqueles que, eles sabem, jamais terão condições de enfrentá-los. E calam-se quando injuriados, sem ousar ao menos levantar os olhos para o miserável que o acicata. Aquela flatulência(foi um peido mesmo, ora essa!) bem na cara do indefeso macaquinho evidenciou-se uma prova irrefutável de arrogante covardia. O forte orangotango pretendia mostrar, isso me pareceu evidente, que era o maioral ali no pedaço, e que ele podia, se quisesse, como de fato quis, humilhar de todas as maneiras o macaco bem menor, ciente de não encontrar qualquer resquício de reação, nenhuma resistência. Não foi uma questão de sobrevivência animal, quando, na cadeia alimentar, os maiores se alimentam dos menores, mas sim, a meu ver, um ato essencialmente para deixar em evidência seu poder na área. Uma conduta muito parecida com certos momentos humanos. Conhecíamos casos envolvendo homens que espezinham os mais fracos porque sabem que eles nunca reagirão, posto que dominados pelo medo. Mas não imaginei existissem casos entre os animais, mormente quando visa tão-somente humilhar os fracotes e mostrar força e domínio sobre os outros. Coitado do macaquinho! Ele certamente nunca mais vai esquecer, enquanto viver, o som do peido e o seu mau cheiro contundente. Mas talvez instintivamente esteja certo de que aquele tipo de humilhação tornará a acontecer em sua vida pequena muitas e muitas vezes. Como é normal também ocorrer aqui e ali entre nós, os homens, os ditos racionais.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 03/01/2008
Reeditado em 20/07/2009
Código do texto: T800850
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