Nada de novo pra contar
- Oi! – Ela disse, de uma forma que parecia muito mais do que uma simples forma de começar uma conversa.
- Oi. - Respondi.
- Como você está? – Ela continuou.
- Acho que estou bem. Estou indo.
- Pra onde?
- Boa pergunta.
Ela riu e sentou bem do meu lado, na beirada do porto.
- Te reconheci de longe.
- Sério?
- É. Te vi uma vez num sarau.
- Ah. Já tem um tempo que eu não vou a nenhum.
- É uma pena.
- Bem. Não acho que eu me encaixo muito bem no ambiente.
- Por que isso?
- Eu não tenho voz, sabe? Só tenho palavras.
- Como assim?
- Eu acho que não consigo passar veracidade no que estou recitando. Eu sinto como se estivesse lendo uma bula de remédio. Por mais que o texto seja meu.
- Não acho que seja bem assim.
- Que bom então.
Ela sorriu sem graça e passou a mão pelos cabelos. Depois puxou um cigarro e acendeu.
Sabe Deus o que fazia eu me interessar por mulheres fumantes. Chega a ser engraçado a recorrência. Ela era realmente bonita... e de uma forma que eu não sei bem explicar.
- Eu li dois dos seus livros.
- Sério? Quais?
- “Um bar chamado Karma” e “Drama”. Estou esperando o dinheiro cair na conta pra comprar os outros dois.
- E o que você achou?
- Ah. O primeiro é depressivo. Mas de uma forma até legal. Dá pra se identificar com a coisa toda. O segundo me passou uma ideia um pouco diferente sobre você.
- Que tipo de ideia.
- Dá pra te ver como um cara apaixonado pela ideia de que o amor seja algo possível, mas ao mesmo tempo assustado demais pra se comprometer e ir até o fim.
- E que fim é esse?
- Encarar a realidade de que amor e paixão não se deitam na mesma cama.
- Nunca pensei desse jeito.
- Por que você acha que suas mulheres vão embora?
- Boa pergunta. Gostaria muito de saber.
- Acho que é por que você escolhe justamente as que não estão interessadas em ficar. Você faz a cama pro amor, mas só se deita com a paixão.
Fiquei parado, com os olhos presos nela, enquanto ela dizia aquilo tudo. O vento ia queimando o cigarro em seus dedos, e só ocasionalmente ela o levava aos lábios. O tempo foi passando e eu não consegui pensar numa resposta válida pra rebater aquilo tudo.
- Falei demais, não é? – Ela murmurou.
- Não não. De jeito nenhum. – Eu respondi, saindo do meu transe.
- às vezes eu tenho essa mania.
- Não. Acho que você tocou num ponto sensível. Talvez seja isso mesmo. Preciso pensar sobre.
- Tudo bem – Ela sussurrou, depois de matar o cigarro. Ela amassou a bituca e deixou sobre o banco de pedra onde estávamos sentados.
Fiquei calado, coçando a minha barba com as pontas dos meus dedos. Eu não conseguia tirar os olhos dela. Era como um tipo de feitiço. Como uma faísca de inspiração. Uma obsessão instantânea.
- E por que Drama?
- Porque muita gente me retrata como um cara dramático. E acho que eu realmente sou... desde sempre.
- Tem uma mulher ali, não é?
- Tem mais de uma.
- Mas do meio pro fim... Parece que é tudo sobre uma pessoa específica.
- É tão claro assim?
- Ah. Só me peguei querendo que alguém sentisse algo por mim daquele jeito. E comecei a imaginar como seria.
- E como foi?
- Acho que eu teria enlouquecido.
- Enlouquecido?
- Sim... Por deixar passar algo assim... Alguém assim. – Ela disse, brincando com um isqueiro entre os dedos.
- Nem todo mundo sabe exatamente o que quer da vida. Às vezes só percebemos quando o bonde já passou.
- É. E já passou?
- Eu estava aqui pensando exatamente sobre isso.
- E ela, onde está?
- Você é ótima com perguntas pra as quais eu não tenho resposta.
- É um dom. – Ela falou sorrindo.
Depois rasgou a carteira de cigarro e virou do avesso. Com a ponta de um batom vermelho ela escreveu um número. Depois me entregou.
- Me manda uma mensagem quando souber. – Falou, se levantando de onde estava.
- Eu não lembro o seu nome. – Falei tentando disfarçar o constrangimento.
- Gisele. – Ela disse, já se afastando.
- Boa noite - Eu falei.
- Boa noite, Rômulo.
Ela foi embora e ficamos sozinhos. Eu e o porto. Eu e Recife.
Era sempre assim depois da meia noite.
Nada de novo no front.
Nada de novo pra contar.