Dia do Comediante

Tive, e talvez ainda tenha, vocação para a comédia. E desde a infância. Em suas palavras (escritas) de despedida, minha professora da quarta série percebeu que se tornar comediante poderia ser um caminho para mim. Não foi em tom de zombaria. O que ela disse, ipsis litteris: “você […] tem a capacidade de alegrar todos à sua volta com suas histórias e suas trapalhadas”. Eu fui uma criança impulsiva, o que me levou a ser o “palhaço da turma”. Com a maturidade da vida, notei que ser comediante era mais do que palhaçadas improvisadas na sala de aula.

Dá muito trabalho ser um bom comediante. A comédia é uma arte performática. Além disso, não há comédia sem público. Se você cria uma piada e conta ela num local onde não há absolutamente ninguém, isso não é comédia. Precisa ter gente rindo. Ou te xingando por causa da piada ruim. Então, para ser comediante, você tem que saber falar em público.

Mas o mais complicado é criar piadas engraçadas. O comediante possui um texto. Mais difícil ainda é criar boas piadas com o improviso. Isso exige raciocínio rápido por parte do piadista. Uma boa capacidade de relacionar coisas aparentemente sem nenhuma ligação também ajuda bastante.

Para escrever bons textos e produzir boas performances é preciso estudar.

O fato é que não sou chegado a falar em público. Não se trata de medo. Eu sou do tipo recluso, como meus mestres literários Rubem Fonseca e Thomas Pynchon. Portanto, não sirvo para contar piadas diante de uma plateia. Posso até fazer piadinhas com amigos, mas se a roda de conversa enche, eu me contenho.

O que eu gostaria era de escrever piadas que as pessoas pudessem ler e rir em suas casas. Há definições que distinguem o comediante do humorista. O primeiro, como eu disse, trata-se de uma pessoa que faz apresentação cômica. O segundo seria mais uma atividade intelectual. O humorista escreve artigos de humor, peças de comédia, anedotas etc. Pode se dizer que a comédia está mais próxima do teatro e o humorismo se aproxima da escrita jornalística.

Entre humorista e comediante, eu prefiro o primeiro. Desculpa, querida professora.

Outra coisa que me desestimulou para a carreira da comédia é a possibilidade de ser hostilizado pelo público. Se você conta piadas sem graça, na melhor das hipóteses a plateia te vaia ou te xinga. Na pior, você pode ser agredido fisicamente.

Há uma anedota sobre um comediante fracassado que era, vejam só, alvo de piadas. Imagina o piadista ser tão ruim que ele acaba se tornando vítima de chalaças produzidas por pessoas sem graça.

No Bar de Comédia onde ele trabalhava, aconteciam frequentes altercações provocadas por gente que estava farta de comédia de péssima qualidade. A cada dia o público diminuía. Numa noite, depois ter contado uma piada politicamente incorreta que envolvia negros e esgoto, uma pessoa da plateia, visivelmente embriagada, foi direto ao ponto:

- Todo dia é essa merda!

- Quem sabe a p… da sua mãe sobe aqui e faz melhor! - retrucou o comediante.

- P… é a sua mãe, seu racista!

A troca de palavras gentis e elogiosas entre os dois descambou para um nível de violência que ninguém tinha visto por ali até então.

Tudo isso mostra que até na vida de comediante pode haver riscos. Talvez seja uma das profissões mais perigosas do mundo. Um público irritado com uma comédia de baixa qualidade pode se tornar agressivo.

Por outro lado, se o humorista produzir texto ruins, o que pode acontecer é o recebimento de “cartas do leitor” manifestando um tom crítico e feroz. O humorista não corre tantos riscos de sofrer agressão física. A não ser que ele irrite algum leitor sociopata, que pode querer ir à casa dele para fazer alguma besteira.

No entanto, nem tudo é ruim. O humorismo e a comédia ajudam a ter uma postura estoica diante das incertezas do mundo.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 26/02/2024
Reeditado em 26/02/2024
Código do texto: T8007937
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.