...E no relógio de diamantes
Só ontem descobri, mergulhado na curiosidade, que a política depende de níveis de adulação. A adulação, essa manteiga que alguém passa no pão, faz parte da vida. Sem ela a existência ganha o tom de falsidade, ao contrário do que pensam, certos arautos da cretinice. Empatia e bajulação andam juntas no Café de Flore, nos estoicos de enfermaria, e nos epicuristas de cabaré. Por falar nisso só o epicurismo é capaz de produzir o verdadeiro estoico. Digo, o poder deixaria de existir sem bajulação. Não haveria religião, nem imaginação, nem fécula de amor, porque o amor está na lisonja. Nenhum diretor existiria e nenhum ator ganharia o seu papel.
Ontem foi domingo em todo o Brasil. Em São Paulo ocorreu um evento sem a menor preocupação com o sofrimento, a desigualdade e a exploração.
Milhares de almas demonstraram a capacidade de Ser avulso, sem anticonformismo. Perdidos. Vestidos de amarelo como se Roma tivesse sido feita num único dia. (Roma non tu fatta in un giorno). Centrados num único drama perdido que o amarelo não mitiga. Tal situação ninguém poderia considerá-la como Republicana na busca insana pela destituição de seus valores históricos. Foi o único evento sem reinvindicação social em toda a história do globo.
Não há como imaginá-los num café mental como fez Sara Bakewell com os existencialistas. Para eles basta quebrar e colocar no lugar o homem inelegível pelo mau comportamento. Resistente ao vento e as ideias comunitárias de esgoto para todos, salários dignos, pobres nas escolas, vacinação redentora. Voltaremos com ele a estrada de terra aonde se ia a cavalo para o fim do mundo com o herói, montado, seguido pelos demais a pé, de pés descalços. Rumo à utopia. No rodopio vertiginoso para o atraso da oratória.
Apenas desoladas metáforas de impacto surtiram no discurso amarelado. Acabar com a república, subrepticiamente, manipulando as massas religiosas para embate entre elas. Na confusão furtar a liberdade pela única crença de ser o próprio Messias. Os indisciplinados foram as ruas de cara angelical, sem vibração, mal integrados pelo conjunto desastroso da obra, esta mal realizada. Mal narrada até nas ações mais simples.
O tempo corre no relógio de diamantes.
E como diria Cícero: tudo no mesmo tempo destes assaltos quotidianos de homens perdidos.
26/02/ 2024