CIDADE DESIGUAL
Era uma quinta-feira como qualquer outra daquele mês de maio, caracterizado sempre por dias de luminosidade diferenciada, função da declividade do sol para norte, noites amenas, e o mais importante, um dia dedicado especialmente as mães, enquanto que os demais reservados para noivas, enfim contrair núpcias traz a alegria dos familiares, das igrejas e dos profissionais envolvidos nestas tão aguardadas festas.
Enquanto estacionava o carro no clube, ali em frente ao Parque Laje, sob a proteção da abençoada mão direita do Cristo Redentor, do outro lado da cidade, no complexo do Jacarezinho, dois helicópteros sobrevoavam a comunidade, dezenas de carros, alguns caveirões e 1.350 policiais coordenados pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com apoio de outras unidades do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento Geral de Polícia da Capital (DGPC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) começavam a Operação Exceptis, que para os não letrados em latim significa exceção, uma brincadeira de mau gosto da cúpula de segurança do RIO, com o Supremo Tribunal Federal – STF que proibira qualquer tipo de intervenções em comunidades, enquanto não cessar esse já prolongado período epidêmico.
Para mostrar a desobediência civil, a operação utilizou aquela metodologia sabidamente ineficiente para invadir uma favela, que deve contar hoje com 39 mil moradores, em sua imensa maioria composta por estudantes e trabalhadores, tanto empregados no setor formal, como do informal da economia carioca.
Nas quadras à beira da Lagoa, o silêncio era cortado pela violência das raquetes contra as bolas amarelas e também no contato delas contra o avermelhado saibro da cancha.
Já na favela do Jacarezinho, cortada por três fétidos cursos d’água, o Faria, o Timbó e o Jacaré, que recebem esgoto in natura dessa e de muitas outras comunidades no seu tortuoso trajeto antes de desembocar na Baía de Guanabara. Se num primeiro momento, o ronco dos helicópteros interrompeu o sono dos poucos, que podem dormir até mais tarde, por outro lado impediu a saída para o trabalho ou para o estudo de boa parte de seus moradores. O pior estava por vir, o confronto direto entre dois exércitos, um oficial e outro clandestino, porém, ambos dotados de pesado poder de ataque.
O inevitável confronto acabou resvalando tiros até para dois passageiros dentro de uma composição do Metrô, que infelizmente passou próximo ao local do conflito. Vale aqui recordar, que o disparo de um fuzil genérico, tem energia suficiente para ferir, matar e perfurar objetos a até 800 metros. Podendo chegar bem mais longe, de 1,2 a 1,5 km, se encontrar circunstâncias favoráveis como vento, angulação do disparo e ausência de obstáculos no trajeto.
Dessa vez, o recorde de mortos foi batido rapidamente no confronto, e isso pode ser explicado por uma corriqueira atitude, já clássica. Basta que se mate um único policial, fato inevitável quando se junta tantas corporações numa ação única, para que desate a fúria do batalhão, esta dificilmente contida, e as vezes até incentivada pelo comando da operação. Resumo da ópera, dos 25 óbitos e cinco feridos, apenas um usava farda.
"O episódio de hoje nos leva a lamentar que a Polícia Civil tenha agido como um grupo de extermínio, e não como órgão de segurança pública. Realizaram uma operação absolutamente desastrosa", declararam os pesquisadores da UFF em nota oficial. "Os danos causados pela operação são infinitamente mais graves, do que os crimes que ela pretendia combater."
Enquanto isso, no Jardim Botânico, o grupo confraternizava no bar do clube, denominado como quadra cinco (o clube dispõe de quatro quadras de tênis), onde se conversa sobre tudo, inclusive rola uma resenha dos jogos nesse convívio, que esse esporte propicia aos praticantes.
Foi na TV do bar, que tivemos acesso aos detalhes de mais uma chacina levada a cabo na Zona Norte da cidade, e que ocorria simultaneamente às nossas disputadas partidas.
O céu e o inferno separados por não muitos quilômetros de distância que os separa.