TRANSFORMAÇÃO
A princípio não foi nada fácil, veio a revolta cavalgando áspera em seu mágico rompante atacando meu escudo com o qual buscava me proteger dos fortes tentáculos dela. Depois, impetuosa mas silenciosa brotou o mar da tristeza e seus múltiplos desenganos. Daí, por conseguinte nasceram as muitas lágrimas e um quase desespero, a ânsia de buscar nalgum lugar o antídoto de seus efeitos. E no entanto, por mais que tentasse, nada resolvia, nenhuma válvula de escape lograva vencer a dor trazida por ela.
Porque ela se mostrava vigorosa e combatente, ampla e inexorável, firme e inabalável como uma rocha. Então, ato contínuo e repetido, desabando sobre mim ela vergava meu corpo, franzia meu rosto e meus olhos sangravam no borbulhar do pranto. Sim, eu chorava olhando para as paredes e a vontade maior era esmurrar tudo que estivesse em derredor.
Vence-la foi impossível pois ela se tornou parte cotidiana do avançar dos dias. Se eu ia ou voltava, corria ou andava, sentava ou levantava e dormia ou acordava, lá estava ela impassível. Nunca me abandonava, negava-me a paz e a serenidade. Tornou-se satélite de mim permeando à minha volta e me habitando a alma. Quisera eu fugir daquela algoz ferrenha, esquecê-la, fazer de conta que ela não existia, mas como se sua sombra nunca saía de mim?
Visando suportar o insuportável e sabendo que para ela desaparecer eu precisaria, pasmem, conseguir vencer a mim mesmo para ganhar a batalha, adaptei-me a pouco e pouco. Como uma mágoa perene ou uma ferida que jamais cicatrizava, enxertou-se em mim e já não havia como ignora-la. Assim aceitei-a passivo. Ela era eu, eu era ela. Eu poderia muito bem tentar o meio mais fácil de pedir ajuda, contudo já não sabia mais como. Porque passei a gostar dela mesmo sem querer, habituei-me ao amargor de sua presença. E a solidão que eu tanto abominava deixou de ser um fardo para ser a substituta do amor que se fora, virou companhia, não doía mais, não pesava mais, não mais provocava lágrimas.