AS COMADRES
( Pequenas crônicas do cotidiano)
Minha mãe tinha umas comadres que moravam proximas uma da outra, ainda que um tanto distante de nossa casa.
De quando em quando, dona Hilda - a mãezona - “tirava” uma tarde para visitá-las.
Embrenhávamos mata a dentro, depois - é claro – de ter percorrido os espaços pouco habitados do nosso bairro, e relatando a cada “conhecida” o destino que estávamos tomando.
A cachoeira era cruzada por um pequeno pontilhão.Logo adiante , num pomar abandonado remanescentes de uma antiga casa que um dia existira por ali, algumas peras, maçãs ou caquis estavam sempre à nossa disposição dependendo da estação do ano.
Depois, a mata ! Gabirobeiras, pinhões em desfalhadas, araticuns e amoras...Ao final dela, uma espécie de clareira e uma campina imensa bordada de algumas casinhas singelas, dentre as quais, as casas das comadres: Elisa e “Nha Pêdra”, cujo nome se não me engano, era Pedrolina.
Elisa, magrinha, cambitos fininhos, brincos de argola e um sorriso iluminando aquela pele morena por onde um par de olhos ligeiramente esverdeados era só felicidade.
Sim ! Felicidade. O muito pouco que tinha a fazia uma quase raínha.
-Mamãe esparramave-se numa cadeira de palha e as mãos iam tecendo mais uma “toalhinha” de seus inseparáveis crochês, enquanto da boca fluiam as novidades, o dia a dia e, como ninguém é de ferro, alguma fofoquinha do povo da vila.
Elisa sentada ao lado da janela, era igualmente tôda “novidades” e o olhar atento ao caldeirão de ferro fervente no fogãozinho à lenha.
- Tô cozinhando uma mandioca vassouriinha para o café das três,comadre !
A expectativa ficava por conta da delícia que viria frita em banha de porco.
Não demorava e aparecia Nhá Paula, a russa. Apoiando os seus quase cem anos numa bengalinha, dava uma trégua em seu trabalho – Fazia acolchoados em retalhos coloridos – e vinha juntar-se à vizinha e a visitante .
Falava em voz alta, num sotaque arrastado e da face por onde os anos haviam sulcado a história de um longo tempo, fluia uma ternura ímpar.
As tres horas, não exatamente na pontualidade rsrs..., na mesinha singela era servido o café com as mandioquinhas fritas.
Depois, a pequena comitiva tomava o rumo da casa de Nha Pêdra.Porém, aí é assunto para uma proxima narrativa.
Eis-me aqui, de novo, a passar a limpo a insignificância de minha história de vida, nesta tarde de domingo, de céu claro, de silêncio e ventos.
O vento que agora adentra pela minha janela, traz-me em seu bojo sensações e lembranças daqueles mesmos ventos que varriam a campina crespa de marcelas a caminho da casa das comadres de minha mãe.
Vêm-me à memória o trajeto percorrido, o frescor da mata, a serenidade das cabras mascando das ervas a pasmaceira de dias iguais, das chaminés em espirais dizendo de afetos que beiravam fogões, de gorjeios ,e murmúrios de riachos de águas cristalinas delatando lambaris.
E de repente, nesse meu lado caipirão assumido, busco por Elisas, Pêdras e Paulas “russas”, como forma de refúgio desta realidade tão árida que me cerca.
Por um instante vejo as mãos de mamãe dando um tempo a fio e agulha.
É hora da partilha: bom
Na mesinha do tempo, ladeada dos personagens de outrora , sou o piá de cabelos lambidos e cheirando a sabonte Gessy.
A mandioca vassourinha - estalando de frita - é o manah que saciar-me-á nesta longa viagem em busca daquele que um dia fui.
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA