“Fertilizando” a Agricultura do Futuro

Moacir José Sales Medrado[1]

 

A relevância crescente do Cerrado na agricultura brasileira, com seus solos e condições ambientais distintos, catalisou uma mudança de perspectiva, evidenciando a necessidade de diferenciar práticas de manejo nutricional conforme o bioma em questão.

 

Atualmente, em meio à evolução constante da ciência e da prática agrícola, urge uma reflexão crítica sobre o ensino da nutrição de plantas e da fertilidade do solo nos cursos da área de ciências agrárias do Brasil. Tradicionalmente, a abordagem destas disciplinas tem sido caracterizada por uma rigidez que pouco se curva à diversidade dos biomas brasileiros, às suas necessidades específicas e à complexidade dos sistemas de produção. O foco quase exclusivo em práticas padronizadas, que historicamente serviram bem às regiões de agricultura tradicional baseadas no monocultivo, hoje se mostra insuficiente diante da complexidade dos sistemas e da riqueza ambiental do país.

 

A compreensão da fertilidade do solo transcende a visão tradicional e estática que a define meramente como a capacidade de fornecer nutrientes às plantas. Esta perspectiva limitada não considera a complexa teia de interações no solo, incluindo antagonismos e sinergismos entre nutrientes, que desempenham papéis cruciais na nutrição vegetal. Além disso, a capacidade de diferentes espécies de plantas de absorver e utilizar nutrientes varia significativamente, evidenciando que a fertilidade do solo deve ser avaliada dentro do contexto específico de cada sistema de cultivo.

 

Além disso, a recente valorização de sistemas agrícolas e florestais mistos, de sistemas agroflorestais de variados graus de complexidade e de iniciativas de recuperação de áreas degradadas para novos usos econômicos, revela um cenário agrícola e florestal muito mais diversificado do que a monocultura tradicional e até mesmo que as consorciações mais simples utilizadas historicamente por agricultores familiares. Estas práticas atuais, ferramentas da agroecologia, que buscam sustentabilidade e resiliência, exigem uma compreensão profunda das interações entre solo, planta e ambiente, bem como um conhecimento integrado de técnicas de manejo que vão além das abordagens convencionais.

 

No entanto, apesar dessas evoluções no campo, observa-se uma latência nas instituições de ensino superior em refletir tais mudanças em seus currículos. A rigidez curricular, que ainda prevalece em muitos cursos, não apenas limita a capacidade dos futuros profissionais de adaptarem-se às demandas contemporâneas da sustentabilidade agrícola e da gestão florestal, mas também restringe o potencial de inovação e desenvolvimento sustentável no setor.

 

Diante disso, torna-se imperativo um movimento de reflexão e mudança que abra caminho para uma abordagem mais dinâmica e adaptativa da fertilidade dos solos e da nutrição de plantas. Esse movimento deve visar a formação de profissionais versáteis, capazes de compreender e responder às complexidades de diferentes biomas, e aptos a implementar práticas de manejo que respeitem a singularidade de cada agroecossistema e promovam a sua sustentabilidade.

 

A construção de um futuro mais sustentável para a agricultura e a gestão florestal no Brasil passa, portanto, por uma transformação profunda no ensino dessas disciplinas. Isso implica não apenas na atualização dos conteúdos programáticos, mas também na adoção de metodologias de ensino que estimulem o pensamento crítico, a inovação e a capacidade de adaptação dos futuros profissionais às realidades em constante mudança do nosso planeta.

A urgência de modernizar o ensino nas disciplinas aqui postas, reflete a necessidade de adaptar-se às demandas de práticas agrícolas e de gestão florestal verdadeiramente sustentáveis. É imperativo adotar um novo paradigma educacional que enfatize a sustentabilidade, a resiliência e a regeneração do solo, promovendo sistemas de cultivo que valorizem a biodiversidade e a saúde ecológica.

 

Essa transformação no ensino superior das ciências agrárias não só responde aos desafios ambientais contemporâneos, mas também representa um investimento vital no futuro da agricultura e na preservação dos ecossistemas brasileiros. Além disso, alinha-se com os "Objetivos de Desenvolvimento Sustentável" da ONU, como parte da Agenda 2030, destacando papel essencial na contribuição para um mundo mais sustentável e justo.

 

 

 


[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN – Ministério da Agricultura), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Consultor na Medrado e Consultores Agroflorestais Associados.