Breve instante de fumaça
Ler Rubem Braga dá vontade de ser cronista. Com o Fernando Sabino ocorre o mesmo. Nem precisa dizer que sou altamente influenciável. Tenho planos de me aposentar devido ao trabalho que dei ao fígado. É quando saio do interior e vou até a cidade mais próxima atrás de médico e livros. Desta vez retornei com dois Vinicius de Moraes e um do Rubem. Do Rubem porque já peguei intimidade com o autor. É como se o conhecesse de perto, tivesse tomado vários chopes no Amarelinho, visitado o com ele o Otto Lara Resende. Essas coisas de uma época que não vivi, mas que permanece vivo nos leitores. Rubem Braga escreveu todas as crônicas do mundo. Foram mais de 15 mil como escreveu Seljan Braga em 1993.
Caso receba a aposentadoria temos planos de nos transferir para a cidade grande. Após instalado, hei de procurar o último jornal vivo da cidade, carregando esta crônica. Os jornais ficaram chinfrins sem cronistas. A queda da imprensa é antes um critério de qualidade do que avanço de tecnologia. Claro, bastante evidente, a pandemia ajudou a encurtar caminho, para piorar a situação, e a comunicação humana. Nos bares e restaurantes os clientes estão metidos na telinha. Com o tempo será abolida a imortal figura do garçom que dará lugar ao pedido via celular.
Será declarada a exclusão do ser humano do lugar de ser humano.
Com os livros dirijo-me ao Mercado Público, faz calor, o atendente recebe o meu modesto pedido de água-mineral sem gás. Começo a ver os passantes. Distraio-me lendo calmamente trechos do Rubem até a chegada de dona Ernestina. Aproxima-se devagar, magra, esquálida, sofrida. Vai desfiando suas misérias: câncer na garganta, pneumonia, há pelo menos uns dez anos. Ela pede dinheiro. Dou-lhe apiedado 15 reais. Ela fica feliz. A felicidade de dona Ernestina custa 15 reais. A senhora continua fumando? Sim, confessa, sem pudor, nem agravante. Afirma: O médico disse que se eu parasse de fumar começaria a sofrer de outras doenças.
Se lhe desse algumas moedinhas ficaria feliz do mesmo jeito.
Minutos mais tarde vejo dona Ernestina com um maço novinho de cigarro. Fumando para iludir sua miséria no breve instante de fumaça.
Pelotas, 21, fevereiro, 2024.