Entre Sem Bater - Os Tolos aka Mente Vulgar

Cícero disse:

"... é próprio de um homem de mente vulgar se preocupar com o que os outros pensam dele ..."(1)

Alguns personagens da história tiveram sua projeção a partir do conhecimento que conseguiram acumular, com reflexão e leitura. O pensamento de Cícero sobre os tolos pode não ter alguma originalidade, entretanto, cabe na realidade das redes sociais. Vivemos, atualmente, numa sociedade que temos acesso a muita informação, mas pouco conhecimento, que não sabemos usar.

OS TOLOS

Alguns pensamentos são de difícil identificação de autoria(*). Desse modo, surgem paráfrases e aforismos que, no final das contas, acabam com uma aceitação que, por vezes, é falsa. Por isso, surgem as falácias e paralogismos que conhecemos como apelo à autoridade. Dizer que um pensamento é de minha autoria, ou de Cícero faz a diferença para a propagação e aceitação como uma verdade.

Assim sendo, uma frase, com a ideia de ser um provérbio chinês, possui uma grande chance de se propagar com a velocidade da luz.

Temos, por exemplo:

Cícero (106-43 a.C.): "É próprio de um homem de mente vulgar se preocupar com o que os outros pensam dele."

Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.): "A maioria das pessoas se preocupa com coisas que não têm importância."

Marco Aurélio (121-180 d.C.): "O que os outros pensam de mim é problema deles. Eu só preciso me preocupar com o que

eu penso de mim mesmo."

Henry Thomas Buckle (1821-1862 d. C.): "Pessoas inteligentes discutem ideias, pessoas comuns discutem eventos,

pessoas medíocres discutem outras pessoas"

Provérbio Chinês (sem definição de data): "Os sábios debatem sobre ideias, os medíocres debatem sobre as coisas, os

tolos debatem sobre as pessoas."

IDEIAS x PESSOAS

Com toda a certeza, a ideia central indica que quem consegue pensar adequadamente, sempre vai debater sobre as ideias e não sobre as pessoas. Desta forma, é uma conclusão quase que universal, os tolos não conseguem ir além do seu próprio espelho.

Embora a frase de Buckle seja "recente", a ideia por trás dela é muito mais antiga. Outrossim, demonstra a realidade de diversas formas ao longo da história. A capacidade cognitiva é a forma como muitas pessoas se comunicam e expressam suas ideias, o que pode variar muito. Contudo, as redes sociais demonstram que essa capacidade reduz-se a cada post ou compartilhamento nas redes sociais. A frase de Buckle é interessante e serve, outrossim, como uma classificação para as pessoas que falam do que não sabem.

Em outras palavras, parece que os tolos, ou aquele idiota da aldeia, que Umberto Eco preconizou, estão no comando. Como se não bastasse, estão, cada vez mais, administrando grupos nas redes sociais (ainda bem que eles não conseguem ler até este ponto do texto!).

IDIOTA DA ALDEIA

A princípio, neste cenário contemporâneo, a comunicação instantânea e a disseminação de informações atingiram níveis sem precedentes. Desse modo, a reflexão sobre as palavras de pensadores antigos, como Cícero, Sêneca e Marco Aurélio, revelam-se surpreendentemente relevantes.

A assertiva de Cícero, datada de séculos antes da era digital, ressoa com uma clareza impressionante nas passarelas virtuais. Por isso, "... um homem de mente vulgar ...", como disse ele, é voraz na busca de validação online e domínio do pensamento alheio. Desta forma, fica evidente que a busca por aprovação pública é mais do que uma constante, transformou-se numa doença incurável.

Sêneca, por sua vez, adverte que a maioria das pessoas se preocupa com coisas sem a mínima importância. Nesse mundo digital, com saturação de notícias efêmeras, fofocas e compartilhamentos inúteis, prevalecem os ignorantes. A atenção para assuntos triviais, como a hipocrisia dos "bom dia" e "boa noite", negligenciam questões substanciais. Os tolos, inquestionavelmente, canalizam sua energia para discussões frívolas sobre as vidas e personalidades alheias. Desse modo, centralizam o debate fervoroso sobre as pessoas em detrimento das ideias.

Adicionalmente, Marco Aurélio aponta um farol de autenticidade em meio à busca insana por validação online. "O que os outros pensam de mim é problema deles", como proclamou o imperador filósofo é pensamento natimorto. As barangas fofoqueiras vivem de atacar as pessoas e não debater as suas ideias. Essa perspectiva é uma âncora poderosa na tempestade de opiniões virtuais. Um convite antagônico convidando cada indivíduo a cultivar um senso interno de valor e autenticidade. Entretanto, esta perspectiva se perde na necessidade de constante avaliação pública das plataformas digitais.

REVOLUÇÃO INEXISTENTE

Por outro lado, deixando os tempos dos filósofos antigos, chegamos aos séculos recentes que, mesmo sem as redes sociais, os dilemas se repetem.

Henry Thomas Buckle, em sua observação perspicaz sobre as diferentes esferas de discussão, destaca como as interações intelectuais raramente se apresentam. Desta forma, em um mundo inundado por memes, notícias sensacionalistas e fofocas de celebridades, uma ideia(2) é supérflua. Com toda a certeza, a discussão e qualquer debate sofre com a sobreposição de eventos triviais e, ainda pior, fofocas sobre a vida alheia. O espaço virtual, que poderia servir como um fórum para a troca enriquecedora de ideias, se degenera em uma arena de superficialidade.

Como se não bastasse, mas não como argumentação final, o provérbio chinês traça uma distinção nítida entre a sabedoria e a tolice nas interações humanas. O mundo digital, com seus fóruns e grupos de discussão, se encontra sob domínio dos tolos que, em sua busca pelo protagonismo superficial. Assim sendo, eles se lançam freneticamente em debates com o mais puro diversionismo, ignorando as ideias que iluminariam suas mentes.

Uma revolução dentro da revolução informacional parece ser impossível de existir ou de se consolidar como alternativa à ignorância coletiva.

IDEIAS EM VERTIGEM

Assim sendo, ao refletir sobre as palavras dos antigos pensadores, torna-se evidente que a dinâmica atual nos indica o fundo do poço. A proposta em execução pelos idiotas da aldeia, que se consideram os donos do mundo, encontra eco nos tolos do mundo moderno digital.

Esses tolos, muitas vezes, se julgam no comando das redes sociais e grupos de discussão. Desta forma, elevam suas próprias opiniões, muitas de segunda mão(3), por sobre ideias valiosas que criariam um diálogo mais inteligente. Em meio à a babel e cacofonia virtual, a sabedoria dos antigos filósofos oferece um convite à reflexão. Destarte, devemos nos lembrar de focar nas ideias e manter a perspectiva sobre assuntos verdadeiramente importantes. Além disso, devemos cultivar um entendimento para nós mesmos, independentemente das volatilidades das opiniões alheias.

Espero que cada mente vulgar que leu o título deste texto não chegue até aqui, "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A existência de figuras de linguagem semânticas permite que falsas atribuições se transformem até em verdade nas redes sociais.

(1) "Entre sem bater - Cícero - Os Tolos aka Mente Vulgar" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/23/entre-sem-bater-cicero-os-tolos-aka-mente-vulgar/

(2) "Entre sem bater - Alphonse Daudet - Uma Ideia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/19/entre-sem-bater-alphonse-daudet-uma-ideia/

(3) "Entre sem bater - Mark Twain - Segunda Mão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/26/entre-sem-bater-mark-twain-segunda-mao/