Travessia do tempo.
Tem um quê de mistério as manhãs. Instantes dúvida. Nunca sei por exemplo, se na passagem da hora, ainda posso dizer bom dia, ou já se faz boa tarde. O que é do mundo entre uma coisa e outra? Indecisão, travessia.
Vovó falou agora que ela, ela e as amigas, ficavam olhando o trem que passava em Duas estradas, cidadezinha que nasceu. O trem cortava aquelas terras e ia até Recife. Já sabiam os horários, olhar era a diversão. No pensar infantil, ela contando, achava que se colocasse uma pedra em frente ao trem, nem que uma pedrinha pequena, aquele tremzarrão ia bater e quebrar, e chacolejar. Nunca andei de trem, um dia quem sabe.
Na época do ensino médio, descobri que o prédio onde eu estudava, fiz o técnico, foi no passado um lugar onde os trens iam pra se consertar.
Aparentemente da "Great Western of Brazil Railway" . Na parede tinham alguns retratos de figuras importantes, uns ingleses de bigode, um trem remanescente, enferrujado... não sei a coisa ao certo, mas deve ter sido na leva de industrialização do país, o nordeste devia ser uma boa rota, imagino.
As vezes quando tava tudo difícil, sei lá, as matérias tavam me comendo o juízo, as coisas, as pessoas...eu saia pra tomar um ar e ficava me imaginando de olhos fechados, ouvindo "Trem azul". Afastava da memória a visão daquele trem-morte na minha frente, desfeito pelo tempo, como se o escuro da minha visão, e o colorido do Clube da esquina, dessem pro trem e pra mim, um ânimo, um cruzar as paragens todas do país com força e vida infinita.
Pensando, fiquei sabendo, é isso, o tempo é a nossa travessia. Olha-se pela janela e não se reconhece as horas, mas não é por mal, a vida vai circular rotunda, gira, volta, conserta, segue.