CINEMA E SUA INFLUÊNCIA

Quem já superou a barreira dos sessenta anos, deve lembrar muito bem do final da adolescência e o início da vida adulta, quando tudo funcionava em um ritmo mais natural, independente se seu habitat era urbano ou rural. A sensação predominante era a de dias sempre mais longos, e o mais interessante, as limitações do que fazer era também sensível.

Vou trabalhar com um exemplo para lá de trivial, quantidade de filmes assistidos durante um mês. Para mim, que sempre fui cinéfilo de carteirinha, mesmo na longa temporada de férias, que se estendia então do final de novembro, ao inicio de março, quando desfrutávamos de excesso de tempo livre, ficava impossível assistir quem sabe, a três filmes por semana, o que acumularia doze filmes num mês, pelo menos nesse período de recesso escolar.

Os cinemas, mesmo tendo mais e maiores salas disponíveis do que agora, não primavam pela diversidade, em outras palavras, muita porcaria ficava em exibição, independente da nacionalidade da produção.

Outro detalhe importante ficava por conta de alguns lançamentos, que ocupavam muitas salas de exibição por muito tempo. O bairro do Jardim Botânico de então, contava com um poeira, terminologia dedicada a cinemas de segunda linha, ou seja, que apresentava uma programação alternativa, caracterizada por filmes mais velhos, por favor, não confundir essa terminologia, com aquela reservada a insuperáveis clássicos da sétima arte. Não que isso impedisse de ocasionalmente a exibição, ainda que momentânea de alguma película dessa categoria.

No Jussara, o melhor e único cinema do bairro, dispunha de poltronas confortáveis e um ar condicionado potente, que mesmo naqueles dias mais acalorados, conseguia nos transpor para um clima de serra. Vale aqui lembrar, que naquela época eram raros os ambientes climatizados na cidade, mesmo entre as residências. Portanto, aquelas duas horas de projeção, no escurinho do cinema, mastigando bala de chocolate Toffe, lembra, aquela de brilhante embalagem azul marinho e que grudava nos dentes, tudo isso junto criava uma magia, até mesmo para filmes que não era lá essas coisas.

A seu favor, esse sala de exibição ficava nas proximidades de casa, o que reduzia o custo de transporte, o tempo de viagem, além disso, oferecia ingressos a preços populares e programação nova toda quinta-feira, o que permitia assistir a dois filmes por semana. Mesmo assim, a preferência de cinéfilos de carteirinha como eu, caia sobre templos icônicos da Zona Sul Carioca, ênfase para a sessão da meia noite no cine Pax.

O tempo mostrou a inviabilidade das salas majestosas, e uma a uma foram fechando suas portas, alimentada pela especulação imobiliária e logo, esses templos clássicos foram sendo substituídos prédios, residenciais ou não.

Outro evento que fragilizou a ida ao cinema foi a chegada dos videocassetes e o rápido crescimento no comércio de fitas. Agora, com TVs maiores e dotadas de melhor qualidade de imagem, muita gente optou por assistir filmes do conforto de seu sofá de casa. Sem contar que a violência na cidade crescia, e os órgãos responsáveis por coibi-la, se mantinham inerte a crescente escalada desse novo fenômeno urbano.

Agora, o céu passou a ser o limite, quando se pensa na possibilidade de assistir a filmes. Para tanto, bastava se associar a alguma loja, e assim dispor de uma videoteca, constantemente renovada por novos lançamentos.

Nesse momento, ninguém imaginaria o que efetivamente estava por chegar aos nossos lares. A demanda por maior e melhor imagem das TVs foi logo atendida pela indústria eletro eletrônica e as telas passaram por um processo de melhoria de qualidade da imagem e também ampliação de área, transformando as salas de nossos apartamentos em pequenos cinemas privados, não muito diferentes das acanhadas salas de projeção atuais.

Finalmente, chego ao ponto que gostaria de discutir, com a chegada das NETFLIX e Prime da vida, temos hoje a nossa disposição acesso ilimitado tanto a produções que acabaram de ser concluídas, como também a clássicos cinematográficos.

As perguntas que quero aqui levantar são as seguintes:

Assistir a tantos filmes de diversificada temática ou origem pode ter interferido na nossa maneira de interpretar a realidade?

E como se dá essa interferência?

Estamos mais antenados, ou simplesmente naturalizamos tudo que acontece a nossa volta?

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 23/02/2024
Código do texto: T8005082
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