Entre Sem Bater - Tapetes Sagrados
Heloísa Helena disse:
"... não acredito que o poder tenha mudados as pessoas, que tenham se metamorfoseado ao tocarem os tapetes, supostamente sagrados dos palácios. O poder não muda as pessoas, ele as revela ..."(1)
A princípio, não sou fã e tenho restrições às pessoas da política que ficam pulando de agremiação política em função de interesses eleitoreiros e pessoais. Entretanto, em alguns casos, embora discorde das atitudes e algumas práticas, respeito mudanças. É o caso de Heloísa Helena que numa frase coloca uma metáfora - Tapetes Sagrados - que exige reflexão.
TAPETES SAGRADOS
A metáfora dos "tapetes sagrados" na frase da ex-senadora Heloísa Helena exige uma profunda reflexão sobre o poder e seu impacto nas pessoas. A imagem dos "tapetes sagrados" é uma representação simbólica dos palácios e das instituições e instâncias de poder. Surpreendentemente, a maioria da população imagina que o poder é exclusividade de mandatários do Poder Executivo. Como se não bastasse, as redes sociais mascaram, nos últimos tempos, o poder dos palácios e os tapetes sagrados nos porões e bastidores.
Em um sentido literal, os "tapetes sagrados" nos remetem a algo venerável, respeitável e, por vezes, intocável. São elementos que representam uma conexão com algo sagrado, etéreo ou transcendental. Ao aplicar essa metáfora ao poder, Heloisa Helena sugeriu que os corredores dos palácios, teriam uma aura especial. Por outro lado, mesmo que a sua capacidade política seja louvável, ele fez um discurso para poucas pessoas e nenhuma que entendeu reagiu.
PALAVRAS VAZIAS
Se, anteriormente, à época da entrevista(*), a ex-senadora tentou mandar recados a seus algozes políticos, atualmente são apenas palavras vazias.
Entretanto, a ex-senadora subverteu essa imagem ao afirmar que tocar esses "tapetes sagrados" não transforma as pessoas. Ela argumentou que o poder não tem a capacidade intrínseca de mudar a essência de um indivíduo. Em vez disso, o poder atua como um revelador, expondo as verdadeiras características e inclinações das pessoas que o detêm.
Em outras palavras, atualmente, a ideia dos tapetes sagrados permanece mais viva do que nunca e as palavras vazias não fazem o eco necessário. Essa perspectiva implica que o poder não é uma força transformadora, mas sim um espelho que reflete a verdadeira natureza das pessoas.
A expressão "revela" sugere que, ao ocupar posições de poder, as pessoas não adquirem novas características. Contudo, as palavras vazias e metáforas deixam à mostra aquilo que já estava latente em seu ser. O poder, nesse contexto, funciona como um catalisador que evidencia as motivações, valores e ética de quem o detém.
O PODER CORROMPE
Ao utilizar essa metáfora, Heloisa Helena tentou lançar um olhar crítico sobre a relação entre o poder e a personalidade. Ela sugeriu que, muitas vezes, a busca pelo poder atrai indivíduos cujas intenções só se tornam evidentes quando estão no comando. Os "tapetes sagrados" dos palácios, longe de conferirem uma transformação espiritual ou moral, revelam o caráter daqueles que caminham por eles.
Por outro lado, se a ex-senadora teve a intenção de mandar recados para uma única pessoa (na época o Presidente da República), errou no ataque. Ela mesma, enquanto parlamentar de carreira meteórica, pisou em tapetes sagrados e se lambuzou. Ao misturar a política eleitoral com a vida pessoal e interesses específicos, cometeu o pecado que condenava.
Contudo, essa reflexão implica uma crítica ao ambiente político em que ele se alinhava, desde a juventude. Desse modo, a indicação de que as estruturas de poder nem sempre possuem alinhamento com valores éticos e morais é crível. Os tapetes sagrados da nossa República oligárquica são muito mais do que uma simples metáfora.
REPÚBLICA SAGRADA
No cenário político do Brasil, a superfície democrática mascara as teias de influência e poder que se estendem por trás das cortinas do Executivo. Apesar da aparente centralidade do poder nas mãos do presidente e seu gabinete, nos bastidores, grupos políticos de interesse estão no comando. Estes grupos operam habilmente para manter estruturas oligárquicas e preservar privilégios que destoam da verdadeira essência republicana.
O Executivo, alvo do ataque de Heloísa Helena, por sua natureza visível, ainda serve como o rosto público do governo e do poder. No entanto, por trás das decisões com origem, aparentemente, do Palácio do Planalto, existem forças menos visíveis e mais influentes. Esses grupos de interesse, são de políticos, empresários e outros agentes, que exercem uma influência significativa na tomada de decisões. Desse modo, desde a "abertura dos portos" (Dom João VI) (2), moldam as políticas de acordo com seus próprios interesses.
Os privilégios(3) desses grupos se refletem em políticas que beneficiam setores específicos em detrimento do bem comum. A distribuição desigual de recursos e oportunidades cria uma sociedade marcada pela disparidade. Certamente, alguns poucos detêm poder e riqueza, enquanto a maioria enfrenta os desafios socioeconômicos e as falácias.
JOGO POLÍTICO
O jogo político no Brasil, do qual Heloísa Helena faz parte, reproduz práticas pouco republicanas. O acesso ao poder é, sem dúvida, repleto de acordos, de favores e trocas de apoio em função de uma tal governabilidade. Esses arranjos criam uma rede de relações obscuras que minam a transparência e a democracia. Como se não bastasse, alimentam a perpetuação das oligarquias no poder e às escondidas.
É impossível qualquer debate sobre a história da política no Brasil, especialmente depois da polarização que presenciamos nos últimos dez anos. Infelizmente, o brasileiro adotou as versões da história que mais lhe agradam, desde o primeiro golpe "revolucionário" pouco republicano.
Desse modo, a mídia desempenha, atualmente, um papel crucial na moldagem da percepção pública. Por outro lado, também é alvo e utiliza-se de manipulação por esses grupos de interesse. O controle sutil ou explícito sobre veículos de comunicação permite a disseminação de narrativas(4) que favorecem determinadas agendas. Desta forma, a contribuição para a manutenção do status quo e a legitimação de práticas pouco republicanas persiste.
FALSOS TAPETES
Ao afirmar que o poder não muda, mas revela, Heloisa Helena nos convidou a questionar a integridade de todos que ocupam cargos de influência. Entretanto, desde que deu a entrevista, muita coisa aconteceu e nada mudou. Com toda a certeza, ao considerar as instituições políticas como palácios da mentira, muita coisa continua como dantes. O estamento burocrático, que a maioria dos servidores públicos em todas as esferas e poderes se locupleta, está mais vivo do que nunca.
Em suma, a metáfora dos "tapetes sagrados" na frase da ex-senadora oferece uma visão provocativa sobre a relação entre o poder e a natureza humana. Ao adentrar os tapetes sagrados do poder, as pessoas não se transformam, mas têm suas verdadeiras essências em xeque. A política brasileira, embora formalmente ancorada em princípios democráticos, se desvia dos ideais nos bastidores. A atuação de grupos de interesse, a busca por privilégios e a perpetuação de oligarquias são os desafios eternos. Por isso, para a construção de uma sociedade republicana e igualitária é necessário a conscientização da maioria da população. Enquanto o Executivo ocupar, no imaginário das pessoas, o centro do palco, nada vai mudar. Enfim, é nos bastidores que as verdadeiras batalhas pelo poder e pelos destinos do país estão acontecendo, sem controle da sociedade.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) Em entrevista ao Jornal do Brasil, 03 de julho de 2005., poucos meses após sua expulsão do Partido dos Trabalhadores.
(1) "Entre sem bater - Heloísa Helena - Tapetes Sagrados" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/22/entre-sem-bater-heloisa-helena-tapetes-sagrados/
(2) "200 anos sem Dom João VI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2021/04/25/200-anos-sem-dom-joao-vi/
(3) "Entre sem bater - Milton Santos - Os Privilégios" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/26/entre-sem-bater-milton-santos-os-privilegios/
(4) "Entre sem bater - Bernardin de St. Pierre - Narrativas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/07/entre-sem-bater-bernardin-de-st-pierre-as-narrativas/