Entre Sem Bater - Educação Religiosa

Bertrand Russell disse:

"... uma educação religiosa dá coragem aos estúpidos para resistirem à autoridade dos homens educados ..."(1)

Algumas palavras são agressivas nos textos ou quando falamos entre grupos de pessoas. Ignorante é uma destas palavras que podem assumir contextos diferentes e possuem vários sinônimos. Por outro lado, inteligência e educação religiosas não deveriam nunca estar numa mesma frase. É provável que na filosofia da linguagem, uma das especialidades de Bertrand Russell, exista uma explicação para o termo "homens ignorantes"(2) e inteligência. Desse modo, como a interpretação do que escreveu o pensador é de nossa responsabilidade, usaremos o termo numa versão menos pacífica.

EDUCAÇÃO RELIGIOSA

A frase-chave motivacional para este texto é, à princípio, inofensiva e pacífica. Contudo, em tempos de modernidade e tecnologias, e dentro do contexto em que Russell apresentou, é um pé-de-briga. Desse modo, para equalizar uma ideia de como os leitores interpretam este texto, a reprodução do trecho da obra do filósofo-matemático.

"Devido à identificação da religião com a virtude, juntamente com o facto de os homens mais religiosos não serem os mais

inteligentes, uma educação religiosa dá coragem aos estúpidos para resistirem à autoridade dos homens educados, como

aconteceu, por exemplo, onde o ensino da evolução foi tornada ilegal. Pelo que me lembro, não há uma palavra nos

Evangelhos que elogie a inteligência; e neste aspecto os ministros da religião seguem a autoridade do evangelho mais de

perto do que em alguns outros."

in "Educação e a Ordem Social" (1932) - pág. 110.

Bertrand Russell, em sua perspicácia, fez uma afirmação sobre educação religiosa que, atualmente, provocaria uma guerra. Essa afirmação pode soar como provocação, mas, ao analisarmos a natureza humana, encontramos pontos verdadeiros. Certamente, todos nascemos ateus, sem uma predisposição inata para aderir a crenças religiosas.

Nesse contexto, a educação religiosa deveria ser uma escolha pessoal na fase adulta, e nunca uma imposição às crianças. Como se não bastasse, em um mundo abundante de fake news, as opiniões sobre guerras religiosas(*) são problemáticas.

CORAGEM AOS ESTÚPIDOS

Dependendo da frase - ainda bem que Russell não era brasileiro - a interpretação da mídia e outros para alguns pensamentos é, sem dúvida, deprimente.

Todos nascemos, de fato, ateus, e isso não implica negação da espiritualidade, da busca do conhecimento ou de compreender as coisas(3). Pelo contrário, sugere que a inclinação para aceitar ou rejeitar crenças religiosas deveria ser uma influência ao longo da vida do indivíduo. Crianças, ao nascerem, não têm uma concepção inata de Deus ou de sistemas de crenças específicos. Elas são, em essência, uma tela em branco, prontas para se completarem com as experiências e influências que o ambiente proporciona.

A imposição precoce de uma educação religiosa pode limitar o desenvolvimento crítico e a capacidade de questionar. Por isso, presenciamos atualmente que a formação de pensadores independentes decaiu a níveis mínimos. Ao invés de estimular a busca por conhecimento e entendimento, a imposição de crenças cria barreiras à curiosidade natural das crianças. Em um mundo onde a informação está ao alcance de um clique, a capacidade de discernir perspectivas e questionar dogmas é uma qualidade.

Desse modo, Russell atribui a contraposição entre os que tiveram educação e os estúpidos como coragem destes, uma baita coragem. E, assim sendo, temos uma resposta para alguns posicionamentos de adolescentes e adultos nas redes sociais.

MUNDO MODERNO

A crescente presença de tecnologias e facilidades na vida cotidiana das crianças adiciona uma camada extra de complexidade a essa questão. À medida que as crianças mergulham no universo digital, as questões éticas, morais e espirituais provocam desvirtuamento do caráter. Como se não bastasse, contribui sobretudo para a propagação de comportamentos questionáveis e anormais. A ausência de uma base de valores leva a uma adoção cega até de uma ideia(4), muitas vezes extremistas, perpetuando muitos absurdos.

Ao adiar a educação religiosa até a fase adulta, seria possível aos indivíduos ter uma compreensão mais madura e reflexiva de suas crenças. A exposição a diferentes filosofias e religiões, combinada com experiências de vida, possibilitaria opções de escolhas conscientes sobre espiritualidade. Cada pessoa poderia, por exemplo, experimentar por si só, diferentes crenças e filosofias religiosas, e mudar quando lhe conviesse. A liberdade de explorar diferentes experiências não só enriquece a compreensão pessoal, mas também fomenta a tolerância e o respeito pela diversidade.

Além disso, a educação religiosa opcional na fase adulta não significa a exclusão total de valores morais e éticos na educação como muitos vaticinam. Pode-se promover um ensino de valores universais e laicos, a partir do respeito mútuo, responsabilidade e empatia. Em outras palavras, estes comportamentos deveriam ter sua prática, sem vinculá-los a uma doutrina religiosa específica. Dessa forma, cria-se um ambiente propício para o desenvolvimento de uma ética e moral, independentemente das convicções religiosas individuais.

COMPORTAMENTO HUMANO

Entretanto, é fundamental reconhecer que a educação religiosa não é o único componente que influencia o comportamento humano. Assim como anteriormente, séculos atrás ou nesta era digital, alguns componentes forjam mudanças. Por isso, a mídia, as redes sociais e outras formas de comunicação desempenham um papel significativo na formação das opiniões e valores. Portanto, a abordagem educacional deve ser holística, envolvendo não apenas a escolha consciente de crenças religiosas. Devemos reforçar a promoção do pensamento crítico, o que os pregadores de púlpito não permitem.

Em suma, repensar a imposição precoce da educação religiosa é crucial em um mundo cada vez mais moderno e confuso. Ao reconhecer que todos nascemos ateus, podemos promover uma abordagem com mais respeito na relação com as crenças individuais. Adiando a educação religiosa para a fase adulta, seria possível às pessoas desenvolver uma compreensão de suas convicções espirituais. E, nesse ínterim, cultivar valores éticos e morais solidários, comunitários e cooperativos.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A mídia, atualmente, faz estardalhaço e escolhe um lado na guerra entre judeus e palestinos. Uma insanidade geral, com toda a certeza.

(1) "Entre sem bater - Bertrand Russell - Educação Religiosa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/21/entre-sem-bater-bertrand-russell-educacao-religiosa/

(2) "Entre sem bater - Bertrand Russell - Homens Ignorantes" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/04/24/entre-sem-bater-bertrand-russell-homens-ignorantes/

(3) "Entre sem bater - Upton Sinclair - Compreender as Coisas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/30/enter-sem-bater-upton-sinclair-compreender-as-coisas/

(4) "Entre sem bater - Alphonse Daudet - Uma Ideia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/19/entre-sem-bater-alphonse-daudet-uma-ideia/