Medo
Quando o escritor moçambicano Mia Couto, um dos mais importantes nomes da moderna literatura na língua portuguesa, leu seu texto “Murar o Medo”, em uma conferência em Portugal, tocou em uma das maiores feridas da humanidade, o medo. Temos medo desde as nossas origens, quando sem luz procuramos abrigo dentro de cavernas contra inimigos reais e imaginários.
A humanidade evoluiu, foi ao espaço, aumentou seu conhecimento e o medo continua lá, sempre à nossa espera. O poder está sempre com quem tem a capacidade de provocar o medo, seja ele físico, moral, espiritual ou psicológico. O medo vence porque ele não tem medo. O medo se basta, é intangível e presumo, infinito. Talvez seja essa a nossa sina: para viver, precisamos temer.
Mia Couto afirmou que “a nossa indignação, porém, é bem menor que o medo! Sem darmos conta fomos convertidos em soldados de um exército sem nome e, como militares sem farda, deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e discutir razões. As questões de ética são esquecidas, porque está provada a barbaridade dos outros e, porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética, sequer de legalidade”. Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje no mundo um muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente.
Existe uma saída contra o medo? José Saramago, outro grande escritor português, vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1998, acredita que é possível: “a palavra de que eu gosto mais é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efetivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não – ou a nossa própria fatalidade – é que não há nenhum não que não se converta em sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um tempo com o sim.”
É como diz um provérbio chinês, “o cão não ladra por valentia e sim por medo”.