Brilhe vossa luz
Era uma vez uma menina. Vibrante é a palavra mais adequada para descrevê-la, cheia de vida e energia, que não tinha vergonha de compartilhar com os outros o que sentia. Se expressava por meio da dança, música e poesia. Chegou a ganhar pequenos concursos que a prefeitura eventualmente promovia, num parque da cidade. Chegava a recitar poesias e não se importava com o que dela pensavam, simplesmente era ela mesma.
O tempo foi passando e ela entendeu que isso poderia incomodar, começou a ser repreendida e aprendeu que a vida não poderia ser assim. Aprendeu que ter a atenção dos outros para si não era algo bem visto. Aos poucos foi fechando a flor que havia desabrochado tão lindamente e espontaneamente. Foi crescendo e dando ouvidos aos julgamentos e críticas, sem filtrá-los. Não deixou de ser quem era, mas deixou de se expressar. Tudo piorou na adolescência, numa nova escola e convivendo com pessoas que a julgavam somente pela aparência. Guardava para si sua essência. Ainda escrevia, ainda dançava, ainda cantava, mas de forma secreta. Seu diário era seu principal confidente, adorava escrever. Fazia isso desde seus oito anos e assim continuou.
Com o passar dos anos, sua forma de escrever amadureceu. Gostava de expressar seus pontos de vista de um modo mais filosófico e crítico. Mas sem perder a poesia. De diário passou a um blog, já com dezoito anos, publicava seus escritos, mas ainda assim havia muita timidez em compartilhá-los com outras pessoas.
Desde então, passaram-se mais de duas décadas e entre muitos acontecimentos em sua vida, aquela menina ressurgiu, com toda força, curando-se de seus traumas. Voltou a não se importar com os julgamentos, porque percebeu que era um desperdício de vida. Percebeu que o custo disso, era muito alto. Era sua própria vida.
Certo dia, ao assistir uma entrevista da saudosa jornalista Glória Maria, se identificou profundamente quando ouviu uma reflexão: “Ninguém vai viver a minha vida, ninguém vai se deitar no caixão no meu lugar, quando eu morrer.” Isso marcou. Mas impacto muito maior, foi a experiência de acompanhar a doença terminal de seu próprio pai, e estar presente em um momento decisivo, quando o médico lhe perguntou: “Você é que precisa decidir se vamos ou não entubá-lo. Mas já lhe adianto que isso não vai fazer com que ele volte à consciência, pois não há mais nada a ser feito.” Ouviu isso, depois de mais de um ano acompanhando todo o processo do famigerado câncer que havia se instalado em metástase. Foi como estar contra a própria vontade atuando em um filme muito triste. Olhar para o seu pai ali, inconsciente e prestes a deixar totalmente esse plano terreno, teve um efeito de acordá-la, como uma dessas sacudidas que a vida vez ou outra nos dá. Ela voltou a si. Já não importavam opiniões, muito menos viver para agradar os outros, desfazendo-se de sua personalidade, suas crenças, seu propósito de vida.
Ela aprendeu a discernir as opiniões que realmente importam, que fazem crescer e evoluir - daquelas que não faziam sentido. Aprendeu que não precisava deixar de ser quem era para ser amada. Aliás, o caminho era exatamente o inverso.
Voltou para a trilha da qual jamais deveria ter se desviado. A menina voltou para si, feliz e ciente de que não se pode deixar de ser quem é. Como fez isso? Encontrou seu próprio propósito, deixou de lado as comparações, ao perder o medo de se curar. Essa menina sou eu. E seu pudesse aconselhar sobre algo, embora não seja pessoa mais adequad para isso, eu diria: volte lá atrás e lembre-se do que faz seu coração vibrar, em sua forma mais pura.
Busque curar sua criança ferida e entenda porque repete certos padrões negativos em sua vida. Tenha paciência, porque isso não vai acontecer tão rapidamente. É um longo processo, e ainda estou no meio dele. Mas iniciar essa busca talvez seja o momento mais importante. A recompensa é imensurável, compreensível somente por aqueles que trilham o caminho do auto conhecimento. E que brilhe vossa luz. Se alguém se incomodar, que desvie o olhar.