UM ACAMPAMENTO DIFERENCIADO

A atividade de acampar sempre foi para mim uma espécie de hobby, melhor ainda se bem acompanhado, e assim desfrutar esse aconchego num contato integrado com a natureza e seus às vezes inesperados ruídos noturnos.

Inúmeras foram às localidades e companhias que dividiram esse espaço exíguo, que permite convívio intenso, pois praticamente nessa situação tudo acaba se realizando praticamente junto, e dependendo do horário e das condições de temperatura, mais próximo ainda.

Devido a essa exposição às intempéries, dormir em barracas implica em experiência única para o praticante deste tipo de lazer, que implica em alguns momentos sentir tanto o frio intenso, como também aquele calor insuportável, tudo isso faz parte do pacote de possibilidades, e o mais grave, não existe plano b, mesmo quando a situação caminha para o caos. Aliás, a única alternativa fica por conta de literalmente chutar o balde, ou seja, desistir da empreitada.

Uma das muitas histórias que ficou marcada na parede da minha memória por seu ineditismo, foi uma viagem para Mauá, lá nas terras altas da Mantiqueira, há muitos anos atrás. Não lembro bem o porquê, mas viajamos na Fiat Elba branca nós quatro e mais três vizinhos que regulavam idade com o Nando. Como se transgredia a lei, assim sem nenhuma dor na consciência, pois a capacidade do veículo era de cinco passageiros.

Além dos sete tripulantes, carregávamos três barracas, colchonetes, uma lona de plástico para forrar o chão e roupas para uma semana de estadia, pois acampados, ficaria praticamente inviável pensar em lavagem de roupas.

Naquela época, além de não existirem regras de segurança aplicadas para passageiros de automóveis, a previsão do tempo costumava, em suas estimativas, perder de goleada para a realidade, logo nem levamos em consideração a previsão de chuvas para a região.

E para bagunçar o coreto, a chuva chegou antes mesmo de chegarmos ao nosso destino. Para quem tem prática de acampar, não existe situação pior do que precisar montar acampamento, e no caso três barracas, com o chão já empapado de água e sem uma única trégua de São Pedro.

Nossa sorte foi a chance de negociar com o dono do camping, contíguo ao hotel também de sua propriedade a possibilidade de usar a infraestrutura, no caso ociosa do hotel. Assim, uma situação que se desenhava como praticamente insustentável, de repente abriu um leque de absurdo de opções. Foi num simples estalar de dedos, que se deu uma alentadora oportunidade, desde que pagássemos uma pequena taxa per capita, poderíamos desfrutar dos equipamentos do hotel, opção que aceitei sem pestanejar.

Agora, tínhamos a nossa disposição os espaços comuns do hotel, e mesmo sendo verão, nos 1.200 metros de altitude fazia um friozinho, que auxiliado pela chuva torrencial e um insistente vento, conseguira jogar a temperatura lá para baixo.

Enquanto Soninha e as cinco crianças ficaram no hotel, desci para a área de camping para, enfim concluir a montagem das três barracas. Voltei completamente encharcado e já sentindo as extremidades do corpo esfriarem, me encaminhei direto para a bem montada sauna do hotel. Enquanto todos se divertiam no salão de jogos, me esbaldava com mergulhos na piscina gélida e voltava para os 75 graus centígrados daquele seco ambiente integralmente revestido de madeira.

Com a chegada da noite, sugeri, e todos concordaram em aproveitar os serviços de alimentação do hotel. Só partimos para as barracas quando os bocejos foram chegando discretamente até contagiar a todos, agora era se entregar aos braços de Orfeu e torcer por uma mudança do tempo no dia seguinte.

Não sei o que aconteceu à noite, mas na manhã seguinte, me surpreendi com a presença da Patrícia, mãe de dois e tia do terceiro convidado, ela demonstrando estar super assustada e me avisando que veio resgatar as crianças, que segundo ela, dormiram muito mal e assustadas gostariam de imediatamente voltar para casa. Nem sei como se deu a comunicação entre eles, mas o fato foi que logo partiram, sem sequer desfrutarem do prazeroso café da manhã servido pelo hotel.

Nos dias seguintes, pudemos então apreciar o que uma localidade serrana pode apresentar de melhor. Com a volta do sol, o rio Preto retornou a sua coloração original, esse anfiteatro natural retomou à sua infinidade de verdes e o céu compôs o cenário com seu azul profundo. Agora sim, desfrutaríamos das características típicas do verão na serra, onde se alternam dias quentes e noites amenas.

Eu tenho a impressão que até a comida na serra fica mais saborosa, influenciada pelo gasto de energia das longas caminhadas, momentaneamente interrompidas por mergulhos nas geladas águas dos rios locais.

Como tudo que é bom passa rápido, logo, lá estava eu a desarmar o acampamento e arrumar as bagagens no carro para o retorno ao Rio de Janeiro.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 20/02/2024
Código do texto: T8002971
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