Banalização do Nazismo
A acusação gratuita de nazismo virou moda. Alguns podem pensar que isso é apenas coisa de rede social. Não é. Tem Chefe de Estado citando o nacional-socialismo para fazer comparações falaciosas, insensíveis e descabidas. A barbárie não deixa de ser barbárie só porque recusamos a adjetivá-la com termos relacionados ao hitlerismo. Pergunto: será que precisamos chamar todo crime horrendo de “nazismo” para que isso desperte nossa intensa indignação? Não estou dizendo que a tragédia do Terceiro Reich é a "campeã" dos crimes contra a humanidade e que isso a torna incomparável. Cada tragédia envolvendo mortes de civis inocentes deve nos comover, porém não vamos fazer competição de crueldade.
A motivação por trás da rotulação de "nazista" muitas vezes é a mesquinhez política. Adolf Hitler é uma figura satanizada (e com razão). Associar adversários políticos ao genocida é uma forma de demonizá-los. Todavia, a ignorância e a falta de reflexão também podem levar à má aplicação do termo "nazismo".
Os manuais de lógica que me perdoem, mas farei bom uso do Declive Escorregadio.
Começou com Chefes de Estado acusando o criminoso de guerra de ser “nazista”. O morticínio provocado por tal facínora tem a sua própria característica que o configura como um horror indescritível, Entretanto, será que pode ser enquadrado como “nazista”, que possuía uma singular perversidade?
Em discussão na Organização das Nações Unidas (ONU), um Chefe de Estado discordou da acusação.
- O homem é um monstro! No entanto, o método do nazismo era outro. - ele disse.
Isso indignou representantes de outras nações.
- VOCÊ ESTÁ DEFENDENDO ELE!?
- Que absurdo! É claro que é nazismo! Encontramos biscoito club social no gabinete. O “social” escancara o fato: é “nacional-socialismo”.
O líder perdeu o debate. O criminoso de guerra virou nazista. Os tribunais internacionais acataram a nova definição. Não demorou para qualquer crime de guerra ser transformado em nazismo. As especificidades do método nazista de extermínio foram ignoradas e desconsideradas. Um consenso foi se formando em torno da ideia de que a prática nazista se confundia com modos cada vez mais genéricos de concretizar o massacre. E só piorava.
Tempos depois, em determinado país, a polícia covardemente matou dezenas de manifestantes, o que causou revolta no mundo. Na nova reunião da ONU, o Chefe de Estado desse país propôs que os policiais assassinos fossem considerados como “nazistas”. E mais uma vez houve uma voz dissonante:
- Esses criminosos demonstraram frieza e crueldade. Mas o nazismo é possível no contexto da guerra. Nazismo e crime de guerra são sinônimos…
De novo, o argumento despertou a indignação de outros líderes:
- Como a ONU pode dar microfone para quem defende os nazistas que mataram os manifestantes!?
- Eu não estou defendendo. Apenas acho que a acusação não cabe. Decidimos que os criminosos de guerra é que são nazistas!
- Esse é um caso de guerra. Guerra do Estado contra o povo.
Foi decidido que os policiais assassinos seriam julgados como nazistas no Tribunal Internacional. A violência policial começou a ser vista como sinônimo de nazismo.
Pouco a pouco, crimes cada vez menos horrendos foram sendo considerados como “práticas nazistas”. Outro debate na ONU, meses depois, discutiu sobre a possibilidade de considerar corruptos como adeptos do nacional-socialismo.
Uma voz dissonante ia falar:
- Olha, eu discordo…
No meio do argumento, ele parou. É a espiral do silêncio. Se rejeitasse a ideia de que corrupção equivale a nazismo, seria acusado de defender corruptos. Um outro Chefe de Estado disse:
- Corruptos matam pessoas quando desviam dinheiro. Podemos considerar isso como genocídio.
- Brilhante! - disse outro.
A ideia foi aclamada na reunião. Todos aplaudiram.
Agora, vamos da ONU para meu dia a dia. Estava no ônibus quando dois passageiros comentavam entre si sobre um assalto que o parente de um deles sofreu. O assaltante foi preso em flagrante e vai ser acusado de nazismo. É um caso que vai sobrecarregar ainda mais o tribunal que julga crimes contra a humanidade.