UMA KOMBI NO DESTINO CASA/TRABALHO
Não sei se algum de vocês já passou por algum aperto em relação ao uso de uma Kombi, aquela caminhonete da Volkswagen, que durante anos povoou nossas ruas, praticamente como o único utilitário de uso irrestrito, abrigando desde o peixeiro da feira, ao transporte de alunos, ou outras cargas variadas. Seu lema proclamado aos sete ventos, afirmava ser este o único veículo leve, capaz de carregar até uma tonelada.
Seu ótimo aproveitamento de espaço interno foi conseguido, graças à estratégia das mais perigosas, entre elas, a de posicionar o tanque de combustível imediatamente acima de um motor que trabalha deitado. Com isso, ganhou espaço na dianteira do veículo, onde passageiros praticamente serviam como para-choque numa colisão frontal. Enquanto na parte traseira, a despeito do possível risco de incêndio, com o motor quente fazendo limite com o tanque de combustível, gerou problemas de combustão, que associado a dificuldade de evacuação, restrito a uma única porta para atender até seis pessoas, imagina o sufoco de um abandono emergencial, lembro que todas as janelas deste compartimento eram fixas.
Estava ainda na faculdade, e nosso time que, diga-se de passagem, batia um bolão, foi convidado para um jogo amistoso em Rio das Ostras. A Kombi na sua lotação máxima, quase chegando ao destino, a cabine começou a receber fumaça, pedimos ao motorista que parasse, e saímos o mais rápido que foi possível, não se passaram três minutos e o fogo lambeu o veículo. Do nosso material esportivo, colocado no compartimento acima do tanque, nada restou.
Corta, novo episódio, cursava o último ano de faculdade, uma amiga me indicou para um emprego em Parada de Lucas, ali na esquina da Avenida Brasil com a Via Dutra. Fiquei mais tranquilo quando soube que seria disponibilizado transporte casa/ trabalho/casa.
Na época morava no Leblon e era por mim, que começava a tournée de busca dos funcionários. Eu, depois o Hélder ainda no Leblon, Fernando na Urca, Lúcia na Praia de Botafogo e por última a Constanze em Laranjeiras.
Logo nesse primeiro dia, sendo o primeiro a entrar no veículo, optei por sentar no banco dianteiro, aliás, o único a dispor de janela não fixa. Senti que o motorista estava bem animado, e este foi logo me informando, este era seu primeiro dia na empresa, para sua surpresa, relatei que também estava estreando no emprego.
À medida que os demais funcionários iam tomando seus lugares, entendi que só conseguiria me comunicar com quem estivesse ao lado. Este tipo de veículo não dispõe de isolamento acústico, que somado à trepidação e o ruído do motor, torna o ambiente insalubre, não convidativo a reflexão, tanto que as pessoas tendiam a ficar quietinhas, algumas conseguiam até tirar uma soneca.
Logo, entendi que apenas eu e o motorista tínhamos disposição para conversar. Até porque, ambos acordávamos cedo, ele morando na favela Saint Romam, ali na divisa de Ipanema com Copacabana e costumava dar uma corridinha na praia e depois um mergulho no Arpoador. Minha rotina era similar, diferença apenas de praia, portanto, chegávamos já ligados para o dia de trabalho.
Só fui entender a forma agressiva de dirigir do João, quando relatou sua experiência anterior, fora motorista da linha Grajaú/Leblon, via túnel Santa Bárbara, e sempre preferiu dirigir à noite. Com o fluxo menor nas vias, não sofria a pressão tão comum das empresas, que exigiam um número determinado de viagens, independente do tempo necessário para cumpri-las. Dirigindo no período noturno, não precisava trabalhar mais de oito horas contratuais e ainda não ser remunerado por isso, a seu favor ainda a satisfação de poder pisar fundo nas pistas a esta hora livres.
Agora, obrigado a encarar muitos pontos de retenção, ficava um tanto afoito para se livrar logo do trânsito, o que causava certa paúra entre nós passageiros, esquecia momentaneamente que não dirigia mais um ônibus, e que fazer pressão no trânsito com uma Kombi, efetivamente não surte efeito.
Coincidências à parte lembrei de que também fui usuário dessa linha de ônibus, e muitas vezes para chegar mais cedo em casa, pois além de frequência maior, ele reduzia o tempo de viagem por usar o túnel Santa Bárbara e assim conseguir manter a velocidade alta durante o percurso. Naquela época, era sacrificante chegar ao ponto do ônibus por volta das onze da noite e ficar muito tempo esperando o 438 o Barão Drummond/Leblon, depois de um dia que começara às 5h30min, portanto, qualquer meia horinha de sono valia ouro.
Aquela estória de que cariocas não gostam de dias nublados, eu não gostava mesmo era de dias chuvosos, pois andava muito da faculdade ao ponto do ônibus, que como a maioria, ainda não dispunha de abrigo, e depois de descer do veículo, ainda fazia uma boa caminhada até em casa. Para piorar esse tipo de situação, só mesmo adicionando vento à chuva nesse trajeto noturno.
Felizmente, sobrevivi a tudo isso, que agora ficou apenas como parte de um passado rico em experiências.