Os Homens da Madison Avenue

Conversava com uns amigos quando um deles recomendou uma série de TV americana.

- Mad Men! - ele disse. - Essa série é brilhante!

- Sobre o quê? - perguntou outro amigo.

- Sobre um grupo de publicitários que trabalha numa agência localizada na Madison Avenue.

- E por que é interessante?

- Há pouco a gente falava aqui sobre como conquistar mulheres. Eu acho que os protagonistas dessa série servem como modelos que qualquer homem comum pode se inspirar.

Antes de ter computador, eu assistia TV por assinatura. Um dos canais disponíveis era a HBO, onde eu via Mad Men sendo anunciado durante o intervalo. Na época, não me interessei em assistir. As imagens que recordo são de homens com ternos, cabelos penteados e fumando cigarros. Aliás, os personagens fumam tanto que eu pensei que era uma série sobre a indústria do tabaco.

Pouco tempo depois da recomendação do meu amigo, escutei outra vez sobre Mad Men. Na faculdade de Jornalismo, eu tive algumas aulas junto com alunos do curso de Publicidade. Certa vez, escutei dois alunos aspirantes a publicitários conversando a respeito. Eles estavam no primeiro semestre.

- A série dá alguma noção de como funciona uma agência de publicidade.

- Uma agência de publicidade na Madison Avenue dos anos 1960 dará noção a um aluno que vive em Salvador no século XXI?

- Alguma noção.

- A série é boa, mas não por causa disso.

Li a opinião da crítica especializada sobre Mad Men. É uma série bem elogiada. Tempos depois, comecei a assistir. O protagonista é carismático. É um homem bonito e bem-sucedido. Quem não queria ser como um cara assim? Há outros como ele. Entretanto, nem tudo é positivo. Esses homens são adúlteros em série, mentem para esposas e filhos, enxergam mulheres como meros objetos de uso e possuem relações problemáticas no trabalho e até entre eles mesmos. Sem falar dos problemas relacionados à época e lugar. A desigualdade racial é explícita: não há negros publicitários. Apenas faxineiros, ascensoristas e zeladores. Tudo bem, a série retrata os EUA dos anos 1960. Não vamos julgar esses valores com a mentalidade de hoje.

Mas esse risco de anacronismo explica por que é problemático enxergar tais personagens como “modelos” de homem sedutor ou de publicitário. O rapaz da universidade tem razão: não faz sentido buscar uma referência tão longe no tempo e espaço (Madison Avenue, anos 1960) para se ter noção de como funciona uma agência de publicidade. E menos sentido ainda teria a tentativa de imitar qualquer um deles na esperança de ter sucesso com as mulheres.

Outro dia, vi no Youtube um terapeuta comentando sobre um paciente anônimo que se sentia frustrado por não conseguir “pegar mulher”. Ele teria assistido algum coach ensinando técnicas de conquista. Nos EUA, esses “especialistas em sedução” são chamados de pickup artists. O paciente aplicou as supostas técnicas e falhou desgraçadamente. A autoestima naturalmente caiu.

Quando busca-se um modelo para imitar, surge uma lacuna entre a pessoa como ela é e a pessoa como ela quer ser. Quanto maior a lacuna, mais fracassada a pessoa vai se sentir. E quando tenta se inspirar em um publicitário americano dos anos 1960, cujo paradigma para a vida atual pode ser praticamente inviável em termos práticos, os danos para a autoestima podem ser extremamente nocivos.

Até imagino o terapeuta que vi no Youtube recebendo em seu consultório um homem que queria ser como Don Draper.

- Doutor, a minha secretária não cedeu aos meus encantos…

- Você precisa se aceitar como você é... Espera um pouco, você me disse que trabalha como operador de telemarketing, como tem secretária?!

- Eu não tenho!

- Então… Meu Deus…

Depois o paciente passa a virar um problema para a polícia.

- Seu filho está entrando em agências de publicidade, dizendo que é publicitário e cantando as secretárias e outras funcionárias! - disse o delegado para a mãe do rapaz.

O paciente usava o terno que ele comprou para ir à igreja. Passava gel no cabelo. Comprava maço de cigarro. E tentava seduzir mulheres. Falhou em tudo. O terno ficou sujo de vinho. Uma mulher derramou a bebida nele quando se sentiu ultrajada. Nem fumar o cigarro ele conseguia. Tossia tanto que parecia estar doente.

O terapeuta vai ter muito trabalho.

Em tempo: Mad Men é, de fato, uma série brilhante.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 18/02/2024
Reeditado em 19/02/2024
Código do texto: T8001907
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