Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#01 – Crônica: “Um exemplo de superação” – Renato Cardoso
Fonte: https://entrepoetasepoesias.com.br/2022/01/23/serie-sob-o-olhar-de-um-professor-ep-01-cronica-um-exemplo-de-superacao-renato-cardoso/
Numa manhã nublada de um sábado qualquer, nós nos reunimos para mais um evento itinerante. Era diferente. Pela primeira vez iríamos sair da cidade, indo para outro município para fazer aquilo que mais gostávamos, arte.
Como combinado, a escola veio nos buscar (para ser mais preciso a professora). Vou chamá-la de Chris. Sempre gentil e atenciosa nos conduziu cerca de 30 minutos em seu carro. A conversa corria solta (papo entre cultura, arte e educação). A conversa era tão agradável que nem percebemos o tempo. Chegamos!
A escola, muito bem cuidada, ficava numa área nobre do município de Maricá. Logo na recepção, encontramos o diretor (figura simpática e um ótimo anfitrião) e alguns alunos. Saudamos a tias do refeitório (elas sempre preparam delícias para nos receber).
Direcionaram-nos para sala dos professores. A escola ainda estava em construção. Arrumei o material que havia levado. Além do evento itinerante, faríamos a premiação de um concurso de trovas feito em parceria com a UBT (União Brasileira de Trovadores). Certificados e medalhas foram colocados acima de uma mesa escolar.
A professora entrou e, curiosa, me perguntou quem havia ganhado o concurso. Entreguei-lhe os certificados, e com a ansiedade de quem preparou tudo com muito carinho, ela foi confirmando a presença de um a um, do sexto ao primeiro colocado.
Enfim, Chris chegou ao certificado do primeiro lugar, os olhos brilharam e um sorriso saiu. Percebi que algo de estranho, e ao mesmo tempo maravilhoso, havia acontecido. Ela sem titubear me perguntou: “Foi ele mesmo quem ganhou?”.
Como eu não conhecia os alunos, pois não lecionava lá, respondi prontamente: “Sim, mas por quê?”. Chris saiu (parecia querer mostrar o certificado para alguém) e quando regressou me contou a história do vencedor.
Ela disse: “Renato, o aluno Gê (vamos chamá-lo assim para preservar a identidade dele) é NE”. Como na educação existem diversas siglas, fiquei, por alguns segundos, meio confuso. Ela percebendo tal confusão, logo esclareceu: “NE é necessidades especiais”.
Quando ouvi a explicação a emoção tomou conta, pois somente ali pude perceber a importância de se levar arte as escolas e fomentar isso entre os jovens.
A ansiedade tomou conta de mim e de todos ali presentes. Perguntei se Gê estava presente, e me disseram que ele iria chegar, junto ao pai, durante o evento (estava curioso para saber quem era Gê).
Saímos da sala dos professores e fomos para o pátio (local onde o evento iria ocorrer). As cadeiras, onde os alunos sentariam, estavam dispostas em círculo e contavam não mais do que 30. Havia um grupinho de adolescentes perto de nós, uma menina havia me chamado a atenção.
Ela cantava maravilhosamente bem. Voz doce, suave, voz típica de uma menina que estava no período da adolescência. Fiquei observando, e assim que ela acabou de cantar a primeira música, brinquei com ela perguntando se queria cantar durante o evento. Ela vacilou um pouco, mas, através do incentivo das amigas, aceitou.
Combinei com ela duas músicas. Mas quem era essa menina? Vamos chamá-la de Ma. Uma menina esperta, feliz, com um olhar vivo e contagiante. Chamei todos os poetas presentes, a professora alocou todos os alunos e o evento começou.
Era um evento diferente dos demais, a plateia estava em silêncio e nos ouvindo atentamente. Deixei bem claro que eles podiam participar caso quisessem. A princípio a timidez de se expor tomou conta, mas logo que o primeiro tomou coragem, boa parte participou.
Gê ainda não havia chegado e Ma já tinha cantado uma música. Poetas, um a um, iam se apresentando e falando um pouco sobre a importância da leitura e da escrita. Cada vez mais, eles escreviam e participavam.
Então, Gê chegou! Ma já havia cantado a segunda música, ela foi tão bem, que nós tínhamos o evento do final do ano, que contava com o lançamento do livro (a coletânea de trovas), resolvi convidá-la, em público, para cantar lá. A alegria tomou conta de todos, gritaria e aplausos tomaram conta da escola. Ela aceitou!
Estávamos na última apresentação antes da entrega da premiação. Chamei a professora e perguntei se Gê era o garoto quieto que havia chegado com um senhor alto e forte. Ela respondeu que sim. Eu, então, a avisei que logo após a apresentação daquele poeta, iríamos começar a entregar as medalhas e certificados.
Todos estavam ansiosos por saber a reação de Gê. Expliquei o processo de entrega e do lançamento do livro. Do sexto ao segundo, entre alegrias e emoções, tudo entregue. Então chegamos ao tão esperado momento, a entrega do primeiro lugar.
Percebi que escola havia feito uma cesta de café da manhã para presentear o campeão. Fiz um suspense, típico de apresentador de televisão. Depois de alguns segundos, anunciei: “1º lugar, alunos Gê da turma do oitavo ano”. A emoção suprema chegou àquele pátio. O garoto não sabia se ia até minha direção ou se pulava de alegria. O pai ficou perplexo. Notava-se nos rostos das crianças a felicidade por ver o amigo querido ganhar algo importante.
Gê veio. Recebeu seu certificado, sua medalha e sua cesta. Tirou foto (tipo celebridade) e leu a trova em voz alta. Ele tremia (não sabíamos se era nervoso ou felicidade, mas parecia ser ambos).
O pai de Gê se levantou, foi até a minha direção e me perguntou se poderia falar. Eu prontamente disse que sim e lhe entreguei o microfone. Ele foi rápido, não durou mais que 2 minutos, mas via-se que o orgulho de ver o sucesso do seu garoto (o que para um pai de NE é o dobro). Ele agradeceu, incentivou ainda mais os presentes e me entregou o microfone.
Para minha surpresa, Gê também pediu para falar, o que obviamente eu deixei (ele tinha esse direito, afinal era o vencedor), mas mostrando-se orgulho da fala do pai não disse mais que: “Esse é meu pai”, e com os olhos brilhando e com um baita sorriso no rosto, pegou tudo que era dele por direito e sentou-se.
Encerrei o evento, parabenizei a todos. Tiramos a nossa tradicional foto coletiva e, antes de irmos, fomos convidados para almoçar. Aceitamos a gentileza. A comida estava ótima, tudo preparado com carinho. Terminamos, agradecemos as tias do refeitório e espero por Chris (ela nos levaria de volta a São Gonçalo). Despedimo-nos e fomos embora com a certeza de um grande momento vivido.
O evento não ficou marcado somente nas vidas de Gê e Ma, mas nas vidas de todos que ali puderam presenciar um belo exemplo de superação e amor.