O cliente número octogésimo quinto da fila
Sábado, manhã, fila de supermercado. Alarido, algazarra, azáfama. A quinhentos metros, uma voz rouca, sonífera, sentencia:
— Próximo.
O próximo não parece estar próximo, cabisbaixo, imerso na tela plana do celular. A moça reforça o convite, com o auxílio da fila enorme:
— Próximo!
O próximo ergue a cabeça, acorda, aproxima-se. Mecanicamente retira do carrinho de compras farrinha, feijão, frango gelado e, quando todos esperávamos mais um item iniciando com f, surge, para surpresa geral, uma barra de chocolate. A atendente recepcionista, mecanicamente, passa os produtos pelo raio x do leitor de código de barras, procedimento que resulta em um número assustador: R$ 205,11.
A quinhentos metros, o cliente número octogésimo quinto da fila retira do bolso um papel. Mas não é apenas um papel: é uma lista de compras. À medida que ler, confere o carrinho; à medida que confere o carrinho, vai esvaziando-o.
Após a primeira leitura da lista, devolve às prateleiras do supermercado dois pacotes de cervejas, um litro de Vodka, três garrafas de vinho; após a segunda leitura, é a vez do balde de sorvete, do iogurte, do leite condensado, das máscaras brancas para proteger-se da Covid-19; finalmente, depois da terceira visita à lista e uma ligação, restitui às gôndolas os pacotes de feijão, de macarrão, a carne de frango, o óleo de cozinha... E chega ao balcão portando duas caixas de fósforos.
É fila de supermercado, é alarido, algazarra, azáfama.
A quinhentos metros uma voz rouca, sonífera, sentencia:
— Eita vida besta, meu Deus!
(Besta e cara).