A vida e seu percurso
Por isso, meu caro, a noite transcorreu sem sobressaltos. A lua deu sinal de vida. Namorados fizeram promessas de amor e renovaram outras já esquecidas. O bêbado tomou seu habitual gole. Não conformado com a ausência da amada, derramou lágrimas aos pés da amiga de copo e lamentos. A prostituta, coitada, conseguiu o primeiro cliente só às 3 da madrugada. Congelada pelo frio do intenso inverno, disfarçava, com as mãos à boca, toda vez que tossia; temia o retorno da tuberculose há pouco vencida.Nada mudou na casa número 52 da rua da travessa. Dona Nina, a velha odiada da vizinhança, acabara de chegar do hospital onde esteve internada por dois meses. Não morreu, lamentaram alguns. Colegas da igreja vierem em solidariedade e rezaram terços e cantaram hinos para incômodo de Julinha, a neta atenta ao desenho na TV.O velho, homem querido por todos, jazia na cadeira de rodas há dez anos: caiu da escada e perdeu os movimentos.Há dez anos vê a vida passar na velocidade das rodas da cadeira; aprendeu que o tempo tem seu próprio ritmo e que a vida que levava, ao contrário do que agora vive, era uma bomba prestes a explodir. É um homem agradável, de gosto simples. Sérgio , um amigo de 20 de idade, é um rapaz cheio de planos. Costuma visitar o vizinho cadeirante porque, diz, é um homem de muitos saberes e com ele aprende coisas que não estão nos livros. Deseja seguir a vida acadêmica. O filho do farmacêutico, engenheiro de formação, está numa clínica psiquiatra. Nos últimos tempos deu pra andar nú e dizer coisas desconexas. Não para de repetir, mesmo sob forte aparato médico e arsenal farmacêutico, que o fim está próximo e que ele, e alguns escolhidos, serão poupados para que deles renasça uma nova civilização. Acrescenta, ainda, que uma grande cada Verde será construída e lá colocado os indesejáveis, pessoas de cabeça vazia, sem algo de importante para a humanidade. Influenciado por um pastor corrupto e falastrão, grita que para a casa Verde serão necessários tantos recursos e, por isso, não pára de pedir donativos. O coitado continua internado, o pastor falastrão, desfruta das beneces e luxos com o dinheiro arrecadado. O falastrão é sem escrúpulos, tão sem senso real de religioso, que se aproveita da fé genuína dos fiéis crédulos, que cogita, às vezes, em parcelar donativos sob a falaciosa, pra não dizer, bandida, abordagem de que somente quem doa terá o reino dos céus. É certo que o coitado do filho do farmacêutico não compartilha dessas falcatruas. É um sujeito que sempre primou pelas coisas certas, jamais compartilharia dessas investidas. Por óbvio e oportuno, é de se destacar que a clínica onde se encontra internado, pertence ao pastor falastrão. E para lá são levados os que o falastrão indentifica um possível substituto ou opositor.
Então, meu caro, a noite seguiu seu curso. Contínuos eventos não mudaram o curso. A prostituta continua no seu posto. Clientes aparecem e vão e não deixam rastros. O velho na cadeira de rodas observa o tempo e as pessoas que passam absortas em pensamentos que ele tenta decifrar. A velha odiada, voltou para o hospital mas não pra casa. Colegas da igreja fizeram homenagem com terços e hinos, Julinha, a neta, não ficou incomodada; entendeu que o momento era diferente, e não ligou a TV. O jovem de 20 anos, Sérgio, visitou o amigo cadeirante. Questionou o velho sobre o que é a vida e ficaram até tarde nessa questão filosófica. No céu, a lua deu as caras. Namorados renovam juras de amor e esquecem outras. É a vida