Dia dos namorados, afinadores de silêncio, e as repeticências.
"I love you.
Great, thanks." - Shiv Roy e Tom Wambsgans, "Succession"
Ontem foi dia dos namorados, quase. Só pro outro hemisfério. O amor está no ar. engraçada essa frase, parece gripe. Contagiosa.
O jornal mostrou uns casais na Times Square se casando em frente a um coração de gelo. Na verdade o coração tava derretendo, então a escultura se deformou um pouco, liquefez, reduziu, deixou de ser coração, piada pronta. Ficam lá vários deles, vários casais, e um sorteio decide quem vai consagrar o que quer que seja, na Big Apple.
Não sei se eu ia querer que fosse ali, e se sei lá, vai que na hora, no momento, no sublime, passa uma criança chorando, ou decide atacar ali uma ameaça interplanetária? Tudo é sempre em NY, Marvel precisa de roteiristas melhores.
No Brasil, quem criou o dia dos namorados foi o pai do Dória, o político. Como nada escapa aos olhos do dinheiro, veio dele, publicitário, o dia dos namorados em 12 de junho. Queria dar um boom nas vendas.
E de todas as músicas sobre amor, a minha favorita é "Cheiro de amor", que também era publicidade, sendo mais específico era Jingle de motel. E tem agora uma novela reprisada, que passa ela na trilha sonora de alguns dos personagens, sempre me assusto quando toca a voz de Bethânia.
O amor é mesmo um assombro.
Isso tudo me lembrou Djavan, esse aí sabe falar sobre amor, e deixou até NY, que eu falei lá em cima, um pouco mais bonita, mais "maçã"
Já escrevi vários poemas pra vários alguéms, é minha natureza, quando gosto, gosto muito, preciso escrever. E tudo tinha que ser físico até pouco tempo, enchia cadernos inteiros, tinha medo que se perdesse, ou pior, alguém lesse, já pensou?
Falo tanto sobre esse bicho que é o amor, que tenho medo as vezes de o sentido ir se separando da palavra, descolando, virar só mesmo um barulho. Isso seria um horror.
Tenho medo também de nunca ter nada a título de comparação, que dê mesmo pra olhar e dizer, sem hesitar, que é amor, sem ambiguidade nem engano, sem miopia coração. Mas se amar é estar doente dos olhos, há de existir também a parte da cura, a parte do que continua sendo, mesmo desaparecendo, mesmo continuando
"A cura não vem do esquecer, mas do lembrar sem sentir dor." - Freud
Passado o carnaval, a mansidão e a calma tão quase gritando. Quando tem um bagunçamento tão grande no mundo, é tempo de lembrar que em nenhum outro lugar além de mim, eu encontro meu silêncio. É difícil aceitar isso. Ficar sozinho assusta, a gente aprende, desde novo, que dois é par.
E então quando, por escolha ou desventura, a conta não fecha, aprendemos a ser não mais da matemática e sim das artes, afinadores de silêncio.
Se curar é aprender a se bastar, eu acho, é o verbo intransitivo, (ao menos temporariamente), e se bastar é difícil. Imagine querer contar a alguém, por exemplo, que você está tão feliz que poderia pintar o mundo de azul, ou que você já está tão triste na vida, que um homem pisou no seu pé na rua hoje, sem querer, e você não chorou. Imagine querer dizer e não poder...Eu acho, não que saiba nada sobre o que falo, mas acho que o outro confirma a nossa existência, assim como o espelho confirma a nossa forma física.
Por isso é tão difícil lembrar sem sentir dor, a partir do momento que lembramos sem doer, é quando o rancor deixa de ser rancor pra virar memória. Drummond fala bem melhor sobre isso, aceitação. "Aceitar a solidão; escolhê-la; desfrutá-la. Sorrir dos psiquiatras que falam em alienação do mundo e recomendam a terapêutica de grupo. Estimar a pausa como um valor musical, o intervalo, o hiato."
Repetir, repetir, até ficar diferente." - Manoel de Barros
É se é pausa, quer dizer que é transitório, um lugar antes do recomeço, um lugar que espera outra coisa. Repeticências. Se não é assim, se a pausa é inteira, sem fim, vira descomeço, término. Repetir é preciso.