OS SERES HUMANOS
Numa noite, aromatizada pelo perfume das flores campestres e das árvores nativas, sozinha, em meu quarto, virava-me de um lado ao outro, na cama, e, por alguns minutos, tive a sensação de que já havia vivenciado uma situação semelhante a que estava a acontecer naquele instante, sem que eu pudesse precisar quando ou onde fora. O meu desejo era transformar-me numa ave e voar para bem longe dali, embora o local fosse puro e natural, não me atraía.
Entre a solidão e os medos de uma adolescente, eu ouvia vozes, as quais acreditava virem do porão da casa. Isso me deixavam angustiada e aflita. Por várias vezes, gritei, entretanto a voz não saiu. A garganta permanecia apertada, as lágrimas rolavam em meu rosto e minhas mãos transpiravam muito.
Ao ouvir o canto de algumas pássaros, senti-me aliviada. A noite estava acabando e o perfume dos eucaliptos podia ser sentido. Eu desejava ouvir o ruído dos passos de meu pai, assim poderia levantar-me e livrar-me de meus tormentos noturnos. Após a higiene matinal, corri até à mangueira para tomar leite com canela recém tirado das vacas, momento em que mamãe e vovó preparavam o café.
No interior, poucas coisas me faziam sorrir. Gostava de colher frutas no alto das árvores, ver as galinhas e as angolas disputarem os grãos de milho no quintal, os porcos rolarem na lama, os patos e os marrecos nadarem no açude e os terneirinhos mamarem esfomeados. Porém, naquele instante, uma cena ocupava meus pensamentos, cena essa presenciada quando saíamos da cidade. Crianças e mendigos dormindo sobre jornais nos bancos e nos canteiros das praças. Como desejava entender as diferenças sociais! Mas, enquanto isto, não acontecia, embalava-me embaixo de uma majestosa figueira e, à medida que o balanço se movimentava, acreditava estar voando e cheia de poderes mágicos. Com os olhos fechados, via-me como uma fada capaz de dar moradia e conforto às pessoas que vivem nas ruas.
Feliz, repousava a cabeça no balanço e imaginava-me desvendando os mistérios que envolvem a postura dos seres humanos.