História de Carnaval (4)

“O Carnaval morreu, viva a quaresma!”, escreveu Machado de Assis, em crônica publicada. Daqui a dois dias, o texto em que ele escreveu isso fará exatos 147 anos. Utilizo o trecho para iniciar a minha própria crônica. E, assim como o maior escritor brasileiro fez no mesmo texto, também esclareço que não se trata da decretação do fim do Carnaval para sempre, e sim que a festa acabou. No meu caso, ainda não acabou, mas está quase.

Passei a terça-feira de Carnaval enfiado em casa. Ao acordar, com dor de cabeça, tomei analgésicos. Dormi mais um pouco, levantei, fiz o que faço habitualmente: tomar banho, escovar os dentes e pegar o café antes de “abrir” os jornais e iniciar a prazerosa leitura. Sim, “abrir” está entre aspas porque eu não abro literalmente o jornal. Eu sou um jornalista do século XXI. Os jornais que leio são fac-símiles digitais de edições impressas. Depois, concluí a série “Sopranos”, uma das grandes produções televisivas da história. O final foi ambíguo.

A tela preta. Esse assunto tomou conta da minha cabeça pelo resto do dia. Busquei fontes na internet que pudessem dar alguma explicação fundada em argumentos fortes, já que o criador do programa só deu, até agora, respostas vagas que só servem para conservar (ou ampliar) a ambiguidade. Blogs, jornais, revistas, portais de notícias interpretam algumas respostas do criador como indicativos de um fim negativo. Porém, achei quem defendesse a ideia de que aquele momento abrupto escondia um final menos ruim ou neutro. Eu acho os argumentos pró-final não-trágico mais fortes do que aqueles que defendem que o fim da série significou também o fim da vida para o protagonista. Mas me pergunto se eu realmente penso que os argumentos são mais fortes ou se eu só quero acreditar nisso, por causa da simpatia que tenho por Tony Soprano, o vilão protagonista da série.

O filósofo e lógico Bertrand Russell escreveu um texto irônico intitulado “Como se tornar um homem de gênio”. Li novamente. Eu realmente avaliei os “argumentos a favor dos diversos pontos de vista” e tentei “chegar a uma conclusão ponderada”? Ou será que eu estou torcendo por Tony e isso influenciou e me pré-condicionou a acreditar que mais fortes são os argumentos que sustentam a sua integridade física no final da série?

Olhei pela janela e como a tela preta de Sopranos, ou seja, de forma repentina, o Carnaval voltou a ser assunto para mim.

Vi um amigo e vizinho deitado sobre umas cadeiras, em frente à casa dele, no beco onde moro. Saio e pergunto o que há.

- Estou sem as chaves. Tenho que esperar minha mãe voltar. - ele diz.

- Estava na farra do Carnaval?

- Sim. E acho que exagerei.

Ele dormiu fora de casa. Convidei-o para tomar café comigo na delicatéssen do bairro. É um estabelecimento que não fecha quase nunca. Fomos. O local estava relativamente vazio. Sentamos numa mesa.

- Pelo menos você dormiu na casa de alguma mulher, né?

- Que nada. Conheci algumas minas. Mas mal conversamos… - disse ele. - Um amigo meu que deve ter dormido no hotel com uma gringa que ele conheceu.

Enquanto meu amigo falava, notei que um homem de jaqueta preta olhava para a nossa mesa. Parecia que estava de olho no meu amigo. Ele notou que eu estava olhando e veio na nossa direção. Pensei que ele ia parar na nossa mesa e dizer alguma coisa, mas passou direto e foi ao banheiro.

- Aquele cara estava te olhando. - eu disse.

- O que passou aqui agora?

- Sim.

- Não quero saber. Só me conta essas coisas se for mulher me olhando.

Esse meu amigo foi casado até pou——

(Tela preta)

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 13/02/2024
Reeditado em 14/02/2024
Código do texto: T7998260
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