Histórico de uma aposentadoria merecedora de estudos
Sábado, 10 horas da manhã. A fila na Casa lotérica já contava com mais de 30 pessoas e como dona Marilda tinha contas que venceriam na segunda-feira, não teve outra opção senão entrar na fila também. E quem estava à sua frente? Arnaldo, o ex-cunhado de Jonival, seu marido, e de quem há tempos não tinham notícias. A separação foi tumultuada e Arnaldo culpava os parentes dela, principalmente esse cunhado, por calúnias. O encontro se deu dentro da normalidade que exige a educação de pessoas adultas, mas a provocação não demorou.
- E como está Jonival? – quis saber Arnaldo.
- Bem! Agora melhor. Aposentado.
- Ah é? Já tinha idade?
- Magina! Só de prefeitura 27 anos... Foi agora... dia 29 de março...há 50 dias.
- 29 de março... Ah, será que foi por isso que nesse dia os sinos da Igreja Matriz tocaram de hora em hora - das 6 da manhã às seis da tarde?
- Credo! Não ouvi nada disso! E Jonival nem vai na missa...!
- Pois é! E o prefeito decretou luto oficial por três dias com bandeira hasteada a meio pau lamentando a falta que ele vai fazer ao município?
- Parece que não! Nunca vi uma coisa dessa para quem se aposenta...!
- Mas merecia. Meu cunhado... ex, merecia. Um homem muito trabalhador. Ele contribuiu muito pelo crescimento de nossa cidade. Merecia até missa em intensão de graças. E sempre saudável. Por sinal o Posto de Saúde da Rua XV não tem denominação. Falem para algum vereador entrar com projeto para dar nome de Jonival a ele.
Minutos depois alguém lembrou que dona Marilda tinha prioridade no atendimento em razão das varizes. E não se despediu do interlocutor.
Arnaldo não perdeu a oportunidade e falou para o cidadão que estava atrás dele e para os demais que estavam na fila ouvirem.
- O marido dela é meu ex-cunhado. Um vadio de mão cheia. Ela vai perguntar porque não foram feitas essas homenagens que lhe falei. Saudável...! Só podia ser. Quando chovia ou em dias quentes ou frios, não aparecia no trabalho. Sei que ele não vai gostar quando souber quem ando espalhando esse tipo de conversa. Mas bala trocada não dói.