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Ja contei essa história antes, mas é uma daquelas que merece ser revisitada, como um album de fotografias antigo, em um cenario onde os sorrisos eram mais leves e os coraçoes mais despretenciosos. O nome dele era Sergio, imagine um rapaz brejeiro, moreninho, olhos apertadinhos e um sorrisinho matreiro que fazia as meninas se perderem em suspiros.

Nossa história comecou em um momento peculiar. Serginho havia acabado de sair de um namoro longo e nós dois nos tornamos amigos. Naquela época meu pai possuía uma loja no centro da cidade, e foi lá que nossos caminhos se cruzaram de forma inesperada.

 

Ele aparecia de surpresa, com seu jipe, para me buscar. Juntos íamos para uma lanchonete chamada "Amarelinho". Naquele lugar, entre mesas de fórmica e cadeiras de ferro, compartilhávamos deliciosos sucos gelados. Aquele lugar era um refúgio, um pedaço de história que se misturava com murmúrios da cidade. Ali, entre risadas e confidências, nossa amizade florescia, e o tempo parecia se alongar, como se soubesse que estavamos criando memórias que durariam para sempre.

 

Era época de Carnaval, e a cidade pulsava com a promessa de alegria e folia. Nossa turminha, sempre unida por lacos invisiveis de amizade, combinou de ir ao Tenis Clube. E la, no meio daquela loucura de cores e risos, eu vi o Serginho sentado na escada esperando por mim. O salao acima de nos era um turbilhao de gente, uma sinfonia de vozes e risadas. E as músicas, ah! as músicas... elas flutuavam no ar como memórias que recusavam a ficar no passado!

  • “Tanto riso… ah! quanta alegria… mais de mil palhaços no salão…”

De repente,  ele me pegou pela mão, e subimos as escadas. O Carnaval nos envolveu como um abraço apertado. Pulamos, rodopiamos, rimos quase embrulhados naquelas serpentinas cor-de-rosa que explodiam em chuvas de alegria, enquanto o lança-perfume geladinho deixava sua marca na nossa pele causando arrepios.

Até aquele momento, ele era o meu amigo Serginho, e estávamos nos divertindo como duas crianças. Foi então que começou a música “As Pastorinhas”. Os casais começaram a dançar juntinhos, de rostos colados - e ele me puxou e me abraçou. Nós dois suados, o contato com seu corpo, aquele cheiro de colônia masculina - tudo aquilo me fez sentir diferente e aquela proximidade foi uma das sensações mais deliciosas que já senti. Ele começou a acariciar minhas costas e a uma certa hora, puxou meu cabelo para trás, de um modo delicado, e nos olhamos profundamente. Sorrimos um para o outro e ele me perguntou:

 

- Está sentindo o que estou sentindo? 

- Sim - respondi, um pouco tímida, entre felicidade e confusão.

 

Seus olhos pretos brilhavam naquela meia luz, seu sorriso, seus dentes perfeitos passaram a ser uma paisagem hipnotizadora. Dançávamos olhando um para o outro com a sensação de um sentimento que estava nascendo naquele instante. De repente nossos rostos estavam tão próximos, nossas bocas a um milímetro uma da outra, só que eu não tinha coragem de dar o primeiro passo.

E então eu senti aquele toque doce, meio de descoberta, mas que se transformou num beijo de verdade. Tudo em volta parecia meio etéreo -  as pessoas, a música, como nos filmes. Eu estava vestida de cigana, saia comprida,  uma fita nos cabelos, brincos e colares.

 

Nessa época de Carnaval,  a música "As Pastorinhas" me faz lembrar daquela noite e de nosso romance.  Foi uma paixão inesquecível. Éramos parte de algo maior, algo que transcende o tempo e se eterniza nas lembranças e que durou por 2 anos (entre idas e vindas). Aquela noite, entre confetes e risos, descobrimos que o amor também pode nascer em uma noite de Carnaval. 

 

E hoje, depois de tantos anos,  aquele momento ficou apenas na lembrança; mas naquele instante, enquanto o lança-perfume evaporava no ar -  nós éramos eternos.

 

21/02/1971

Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 10/02/2024
Reeditado em 11/02/2024
Código do texto: T7995868
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