CARNAVAL NO PISANTE - BUMBUM PATICUMBUM PRUGURUNDUM
Carnaval no Pisante - Bumbum Paticumbum Prugurundum
(Vento Lusitano)
Bom tempo aquele que combinar uma engraxada no pisante era como que literalmente transmutar para a passarela do samba da marquês de Sapucaí. Na época havia muitos engraxates, eram meninos que ajudavam no sustento do lar. Hoje, por vários motivos, é raro encontrar um engraxate. Era quase um ritual engraxar o sapato aos sábados, principalmente para namorar ou ir a uma festa.
Gostava de engraxar o sapato com o pequeno Serraninho, esse era o seu apelido, homenagem de seu pai a Escola de Samba Império Serrano. O menino era um sambista juramentado. Após posicionar meu pé ao pé de sua caixa de sapato, me sentia como que no alto da arquibancada do sambódromo a assistir logo abaixo um show na imaginária passarela de samba de meu pisante. A apresentação iniciava com ele sacando de sua caixa de sapato, caixa surpresa, um pequeno retalho de pano de percal. Segurava firme com as pequenas mãos, uma em cada ponta, começava esfregando aquele pano no pisante de um lado para o outro. Lentamente ele empreendia mais velocidade e de tempo em tempo fazia umas paradas bruscas, isso produzia um som semelhante a um surdo de marcação: “Bum, Bum, Bum, BUMBUMBUM”. Logo ele mandava o retalho de percal para o “recuo”, em seu lugar apresentava a escova de muitos pelos, dizia representar a fauna, o meio ambiente, essa dançava para frente, para trás e para os lados, fazia um som parecido com um reco-reco: “Reque, Reque, Reque”. Não demorava esta também tomava o caminho do “recuo”. A seguir surgia o mestre sala e o porta bandeira. O mestre sala dizia ser a escova de passar pasta, a porta bandeira a pequena e redonda lata de cera, a cor da fantasia dependia do gosto do freguês, cores em preto ou marron. O mestre sala e a porta bandeira percorriam a passarela do samba do pisante por inteiro, logo estava ele todo pintado. Após a cuidadosa apresentação em frente ao freguês-julgador, também se dirigiam para o recuo. Serraninho deixava por último para apresentar o melhor de seus panos, o pano de cetim, tecido de brilho intenso e textura suave e amanteigada, esse era para dar o brilho final do seu carnaval, do meu e do pisante. Começava esfregando o pano de um lado e do outro, assim iniciava o compassado de um alegre samba, inclusive tinha a famosa “paradinha” da bateria, um verdadeiro samba vencedor “Bumbum Paticumbum Prugurundum...”. Nesse instante até os colegas de Serraninho que estavam próximos assistindo a engraxada ensaiavam um samba de breque, e o rebolado tomava conta da piazada. Quem ouvia o batucar ficava em plena felicidade, os sorrisos provinham da alma. O toque final da apresentação, a emoção ocorria quando ele derramava algumas gotas de água em cima do sapato, isso era para dar mais brilho quando o pano de cetim percorria toda a dimensão da passarela do meu pisante. Ele dizia que eram “lágrimas de carnaval”. Confesso nessa hora meus pensamentos esvoaçantes iam longe - o pano de cetim e a gota de água -, faziam lembrar o carnaval que se perdeu no tempo. Daquele pelo qual tinha motivos para cantar: {Ensaiei meu samba o ano inteiro} {Comprei surdo e tamborim} {Gastei tudo em fantasia} {Era só o que eu queria} {E ela jurou desfilar pra mim} {Minha escola estava tão bonita} {Era tudo o que eu queria ver} {Em retalhos de cetim} {Eu dormi o ano inteiro} {E ela jurou desfilar pra mim} {Mas chegou o carnaval} {E ela não desfilou} {Eu chorei na avenida, eu chorei} {Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei} {...}. (Benito de Paula). Os pensamentos só cessaram quando ele disse: “Pronto! Seu sapato está brilhando”. Respondi: “Sim! É verdade, bom trabalho”. Ele perguntou: “Seus olhos estão lagrimando?” Respondi: “Não é choro é um cisco no olho”. Quando lhe alcancei o dinheiro para pagar a engraxada ele disse: “Não tenho troco”. Respondi: “Fica com o ele”. Então ele saiu saltitando com a caixa de sapato ao ombro e chacoalhando o dinheiro com um estandarte vencedor dizendo: “Ganhei o dia”. Em contrapartida respondi a mim mesmo: “Eu também, você aflorou as lembranças de meus outrora carnavais”.
Obs.: Texto reeditado em homenagem ao Carnaval