Temporal interior
Eu ouvia uma canção, melodia de uma história triste, de encolher o coração. Solucei, procurando conter o lamento, para não ser escandalosa. A água de que sou feita sacudiu por dentro e eu imaginei que um grande temporal fez ondas gigantes, motivo do meu soluço. Sei que a palavra foi como proa de barco, saiu rasgando as águas que lhe forçavam ficar parado. A dor pungente de palavras duras como diamantes feriu-me sem dó. Eu mesma calquei o meu chapéu, embarquei no barco que mandei fazer para mim e desci o rio, caudaloso, profundo e calado. O meu silêncio era mais calado do que o rio, tão largo que não se dava a conhecer a outra margem. E nessa solidão de mar, flutuei na minha dor. Dor que não depende, nem diz respeito a ninguém. A minha dor individual. A minha dor de gente. A mesma dor do primeiro ar nos pulmões ao nascer.
(quando ouvi A terceira margem do rio, de Milton Nascimento e Caetano, na voz de Mônica Salmaso)