UMA QUESTÃO DE INCOMPLETUDE
Você nem sabe por que, mas do nada surge essa tal sensação de incompletude, que não passa de uma percepção de falta, uma espécie de vazio, que acontece a partir de alguma atividade que você apreciava, e de repente não faz mais parte da tua vida.
A sensação de incompletude mostra que ela existe, por mais que você tente despachar ela pro lado, usando de toda sua experiência de décadas pontuadas de muitos acertos e claro, também de erros, não tem jeito ela fica a espreita para no momento correto voltar a incomodar.
Não sei ainda afirmar se esse sentimento é de efetivo incômodo, pois muitas vezes em situações, ou mesmo diante de fatos que se repetiam, essa foi à mola propulsora de mudanças, que geraram aquela sensação de bem estar causada pelas soluções encontradas na resolução de um impasse que chateava a um bom tempo.
Se nos tempos de vida laboral minha autonomia era bastante restrita, pois precisava se espremer entre os períodos anterior e posterior a jornada diária de trabalho, e claro, tentando sempre aproveitar os tão aguardados finais de semana normais e mais ainda aqueles prolongados.
Mas a tão esperada quebra literal de rotina só se concretizava mesmo em janeiro, quando coincidiam as férias de todos em casa, com uma vivência intensa e única, onde tudo era feito há quatro dia após dia, fato impossível de ser vivenciado no cotidiano de quem mora numa metrópole.
Com a chegada da aposentadoria do casal e a autonomia na vida dos filhos, passamos então a viver um momento inédito de nossa vida, desfrutando de liberdade, tempo e dinheiro para escolhermos o melhor, tanto na individualidade, como nas ações em conjunto.
Que gratificante você poder escolher o que fazer neste eterno domingo, onde vou ampliar meus dias de tênis, incorporar o beach tênis na minha rotina, nadar na mesma frequência com a que entro em quadra, soltar a voz nos corais que incorporei ao meu cotidiano, passar mais tempo diante do computador redigindo textos, aumentar a minha média de livros lidos por mês e finalmente viajar com maior frequência.
Em função de tudo isso que redigi acima, o convívio social foi ampliado, e essas comunidades dedicadas ao esporte não param de crescer, pois para onde viajamos sempre procuramos por nossos pares, ou seja, mesmo fora de nosso habitat natural, acabamos procurando fazer sempre as mesmas coisas, mudam apenas parceiros e adversários.
Você então diria caramba, diante deste quadro glamoroso, onde aparentemente tudo transcorre da melhor forma, onde existe lugar para essa tal de incompletude? Bom aí entra um parâmetro muito especial, não são muitas as pessoas que apreciavam sua profissão ao longo de tanto tempo de labuta. No meu caso, felizmente fui um desses privilegiados que sempre gostei do meu trabalho. E digo mais, nos últimos anos de atividade contei com a sinergia de uma equipe que também apreciava os trabalhos de pesquisa que elaborávamos.
Bom, agora fica mais fácil explicar essa tal incompletude, pois por incrível que pareça, esse sentimento foi partilhado com duas componentes da minha equipe, voltar a se debruçar sobre questões sociais que tanto nos exigiram como nos deu prazer tanto pela tarefa cumprida, como nos eventos científicos onde constantemente fazíamos apresentações.