Manic Pixie Dream Girl

INT. RESTAURANTE - NOITE

Os dois estão frente a frente, sentados à mesa de um restaurante.

Ele cabelo curto, bagunçado, barba. Ela cabelo solto, liso, altura do ombro. Ela vestido vermelho, com estampa. Ele camisa básica, branca.

Luz baixa, quente, aconchegante. Bater de talheres, pessoas conversam. Ao fundo, jazz bem baixinho.

Ele olha pra baixo, coça a cabeça. Ela olha pra ele.

ELE

"Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ela? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo."

ELA

"Eu não sou uma manic pixie dream girl. Sou uma pessoa. Não somos o possível affair. Somos nós. As nossas próprias eternas mulheres de nós mesmas."

E se isso fosse um roteiro de comédia, e não uma crônica, agora subiria a vinheta, trilha de risadas, créditos, coisa e tal, mas não.

Não.

A vida é mais ziguezague que isso. Um texto, um roteiro, por mais reviravoltas que tenha, por mais não-linear que seja, ainda segue uma ordenação. A vida as vezes pode interromper as coisas num anticlímax foda, bem na hora sei lá, do felizes para sempre, quando a trilha ameaçava tocar um "Último romântico", o por do Sol aparecendo, sobe os créditos, fotos de uma família, filhos, bla, bla, bla.

Não.

A vida é diferente.

Até hoje eu tento remontar na minha mente uma cena. Não sei se já contei ela alguma vez, mas é sobre quando minha mãe conheceu meu pai. (Na verdade não sei quem viu quem primeiro, ou se os dois se viram igual.)

Não tenho essa lembrança, claro, só ouvi falar, mas esse passado alheio vem pra mim com uma aura de filme estadunidense, onírico. Diz meu pai que ele era jovem, flor da idade, se vestia bem, bonitão etc, e como é de se esperar, gostava de sair, ver os amigos, beber, coisa de jovem.

Mãe era garçonete de um bar que ele ia, pai conta. Linda. E eu posso confirmar a questão da lindeza, era mesmo. Até hoje é.

Ele, um paulista de olhos verdes, nariz grande, cabelos castanho claro (Minha vó fala de traços italianos na família, nunca fui atrás). Ela, nordestina, cabelo escuro e liso, boca grande, olhos castanhos.

Ele a chama, pede uma dose de whisky e diz "não me deixe beber mais que três doses" e assim o universo se fez e se desfez ao redor dos dois, atraiu um até o outro. (Ênfase no "desfez", nem tudo é tão açucarado e onírico. Tem um além, um horizonte de mágoa também)

Agora é curioso, né, usamos a palavra "atração" pra dizer quando gostamos de alguém, é quase que literalmente, uma força que nos puxa, dois rios se cruzando, a fronteira de um corpo tocando o outro.

O casal lá de cima, o dá esquete de comédia, foi tipo isso. Inteligentões, excêntricos, perfeitos juntos, infinitos juntos.

E tudo que é perfeito, eu acho, só é perfeito quando é simbólico, irreal. A Manic Pixie Dream Girl, que ELA, a nossa personagem fala no início, é aquela mulher que desperta fascínio, o espírito livre, a força motriz, cintilante, porém tal qual todo objeto de idealização, essa figura atribuída, a Manic Pixie Dream Girl, é idealização, é superficial, e como ela mesma disse;

"Eu não sou uma manic pixie dream girl. Sou uma pessoa."

Já ele é o ser da sensibilidade em descomum, meio Ted Mosby brasileiro, afável, do amor que nunca acaba, da voz mansa, é quase como escreveu Vinícius em soneto do amor total.

"Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente."

Permanente. Permanente. Permanente. Palavra forte.

Tenho medo de ser demais assim, amar como bicho. ELE, o lado masculino dessa história, parece não ter superado tanto quando diz "Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo."

É quase querendo negar a ausência, negar o não. isso dói, e eu entendo, se fosse comigo eu acho, se fosse intenso como deve ser, é coisa de levar consigo pra sempre.