UM OLHAR PAULISTANO

Construir uma rede de amigos fora do seu cotidiano local é tarefa das mais complexas, em compensação quando esse fato se consolida, o prazer de viajar ganha um upgrade.

Uma coisa é fazer viagem por lugar ainda desconhecido sem lenço e sem documento, em que você fica exposto a situações às vezes boas, outras nem tanto. Outra possibilidade interessante seria a de contar com apoio de um guia turístico, se restringindo ao que o turismo de massa pressupõe como imperdível. Agora o mais gratificante, sem a menor dúvida, é contar com um amigo morador da localidade, pois só assim você conhecerá a cidade através da lente de uma pessoa que vivencia cotidianamente a localidade.

Quando então coincide a reciprocidade de interesses, aí não tem mais jeito, e muito menos limite, agora é partir para o abraço e comemorar essa rara e gratificante oportunidade.

Vamos aos fatos, depois de conviver durante uma longa semana embarcada num empurrador de chatas descendo o Velho Chico, minha amiga Claudia fez amizade com um grupo de paulistanos e de mineiros da capital.

Como na época estávamos muito próximos, e atendendo a incessantes convites, primeiro fomos parar em São Paulo. Em pouco tempo de convívio, houve rápida identificação da Ângela, arquiteta que trabalhava na Secretaria de Planejamento da Cidade de São Paulo, enquanto eu batia ponto na similar carioca, ou seja, nosso objeto cotidiano de trabalho era nada mais, nada menos que as duas principais metrópoles brasileiras, com suas diferenças e também similitudes.

Eu que nunca fui muito afeto à tipologia selva de pedra, e em particular a paulistana, de repente comecei a descobrir uma nova forma de olhar para aquela cidade totalmente construída, onde a natureza só sobrevivia quando se olhava para o céu, e mesmo assim, se alguém passar a vista nos repetitivos estudos da Companhia Ambiental de Estado de São Paulo – CETESB notará que a cada nova pesquisa, mais rica fica a composição do ar, agregando novos, ou mesmo crescendo a participação de antigos componentes nocivos à saúde da população, que hoje se tornaram visíveis, fazendo parte de uma espécie de filtro que vai gradativamente tornando tudo a sua volta simples variações do cinza.

Coitado de nosso astro rei, que lá já nascia mais tarde em função da altitude, depois vieram os tais dos arranha céus, que passaram a simular um novo relevo, onde cânions artificiais proliferaram primeiro na área central, que depois se expandiram como uma doença contagiosa que se propaga no tecido urbano sem nenhum remédio que cure a enfermidade, e por fim criaram uma nova composição do ar, que também inibe a entrada de raios solares, principalmente nas primeiras horas do amanhecer.

Por incrível que pareça, essas externalidades negativas acabaram por desenvolver outras necessidades entre o povo paulistano, que aprecia como poucos os ambientes fechadas. Valorizam muito mais suas casas, tornando-as mais aconchegantes para receber amigos e convidados.

São incontáveis as salas de espetáculos e proliferam experiências culturais em espaços inusitados. Quando se envereda pelo tema gastronomia, aí fica concreta aquela letra da música de Caetano que cita: a força da grana que ergue e destrói coisas belas, ou mesmo quando relembra que: alguma coisa acontece no meu coração, quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João.

A cada nova estada na antiga terra da garoa, mais crescia minha admiração por esse mundo de concreto. Foi muito bom passar a conhecer a capital paulista me utilizando da lente de uma pessoa e de seus amigos, que estão envolvidos no planejamento da maior e mais populosa cidade do continente sul-americano.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 05/02/2024
Código do texto: T7992524
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.