Entre Sem Bater - A Destruição da Verdade

Bill Clinton disse:

"... o caminho para a tirania, nunca devemos esquecer, começa com a destruição da verdade ..."(1)

Com toda a certeza, se tem alguém que pode falar sobre tirania e destruição da verdade, é quem ocupa a cadeira de presidente dos EUA. Desse modo, devemos prestar atenção nas frases e nas entrelinhas do que dizem presidentes como Bill Clinton. A princípio, nas falas que eles fazem no posto de presidente, mas também antes e depois da passagem pelo cargo.

DESTRUIÇÃO DA VERDADE

Algumas frases, muitas vezes, não significam muito num discurso despretensioso(*), como é o caso em que Bill Clinton citou a destruição da verdade. Mas como diz o ditado "... peixe morre é pela boca ..." qualquer presidente dos EUA corre o risco pelas frases e citações que faz.

Eventualmente, este espaço (Entre Sem Bater) tem frases de presidentes, especialmente dos estadunidenses. E, raramente, as frases que eles dizem, podem ter aplicação no que fizeram. Em outras palavras, coerência pode ser uma atitude retórica para muitos dos que fazem citações.

A frase de Clinton apareceu numa época em que a Internet e as redes sociais ainda não eram o que são atualmente. Desse modo, quando a transpomos para os dias atuais ela ressoa com uma perturbadora e retumbante profecia.

O advento das redes sociais,  embora ofereça ampla conectividade e acesso à informação, potencializou muitos malefícios. Por exemplo, a avalanche de desinformação, as mentiras e as meias-verdades nunca atingiram as pessoas como hoje. Embora pouco antes da Segunda Guerra, Orson Welles protagonizou a Guerra dos Mundos(2), a primeira e maior fake news do planeta.

Essa transformação digital, que a princípio aproxima as pessoas e amplia o conhecimento, é um terreno fértil para a destruição da verdade.

MANIPULAÇÃO E DESINFORMAÇÃO

Os malefícios e problemas com as redes sociais superam as vantagens na quantidade e na qualidade. Esta afirmação pode parecer estranha quando nos referimos à qualidade, entretanto, podemos explicar. A introdução recente da inteligência artificial(3) para textos, áudios, imagens e muito mais, está completamente fora de controle.

Como se não bastassem os problemas de manipulação de ideias e a desinformação, agora temos a destruição da verdade pela tecnologia. Algoritmos, do mesmo modo que têm um "treinamento" para coisas boas, estão com muitas melhorias para as coisas ruins.

Desse modo, a capacidade das redes sociais em disseminar informações de forma ágil e global, criou um ecossistema propício à manipulação da verdade. Antes, as notícias passavam por um processo rigoroso de verificação antes de chegarem ao público. Atualmente, qualquer indivíduo pode se tornar um "repórter" instantâneo, compartilhando informações sem a necessária validação. A viralização de conteúdo duvidoso acontece num piscar de olhos, minando a confiança na veracidade das informações na rede.

A questão central reside na dificuldade em restaurar a verdade diante dessa maré de desinformação. A velocidade com que as fake news se espalham supera em muito a capacidade de correção e esclarecimento.

E, como se não bastasse, mesmo após desmascaramento, as mentiras continuam a ecoar nas mentes fracas. Assim sendo, criam-se narrativas alternativas que desafia a verdade e que voltam de tempos em tempos.

A verdade, uma vez que sofreu desgaste e arranhões, torna-se uma vítima colateral na guerra da informação.

GURUS DA POLARIZAÇÃO

Com toda a certeza, a destruição da verdade não é vítima somente da manipulação e desinformação. Outros fatores, alguns com uma surpreendente aceitação pela maioria das pessoas, são cruéis. Por exemplo, a maioria dos gurus da polarização e dos falsos debates utilizam a falácia do "Apelo à Autoridade".

Assim sendo, a polarização em excesso nas redes sociais advém da aceitação seletiva de informações pelas pessoas. Desse modo, a maioria dos habitantes das redes sociais tendem a seguir e consumir conteúdos que confirmam suas crenças e dogmas. As concepções  preexistentes, verdadeiras ou falaciosas, criam as bolhas ideológicas que perpetuam visões míopes da realidade.

Por isso, a restauração da verdade torna-se um ato ainda mais desafiador quando diante de uma resistência de grupos com gurus. Estes guias e donos de grupos de polarização veem na verdade uma ameaça às suas narrativas convenientes.

A descentralização da informação nas redes sociais também dificulta a implementação de soluções eficazes. Enquanto algumas plataformas digitais usam algoritmos e moderação para combater a disseminação de fake news, outras incentivam. A complexidade e a escala do problema tornam essas medidas apenas paliativas e a confusão mental prevalece.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Desse modo, muitas vezes, a censura de informações legítimas ocorre inadvertidamente, gerando debates sobre liberdade de expressão. Na maioria dos casos, confunde-se liberdade de expressão com abuso e permissividade sobre o direito alheio.

A falta de alfabetização digital e a educação para a cultura da mídia são fatores adicionais que alimentam a crise da verdade.

As pessoas, surpreendentemente, não possuem as habilidades necessárias para discernir entre informações legítimas e falsas. É comum, por exemplo, uma pessoa divulgar uma mensagem que recebeu porque confiou noutra pessoa que compartilhou num grupo qualquer. Desta forma, grupos de condomínios, famílias, empresas, áreas geográficas reproduzem a destruição da verdade.

A busca pela verdade ou a sua recuperação exige a crítica, a capacidade de avaliar fontes, de verificar fatos e reconhecer manipulações. A restauração da verdade não é apenas uma responsabilidade das plataformas digitais, mas também uma missão educacional. Infelizmente, a maioria dos participantes que ganham projeção com a mentira, não se alinham com esta missão.

RESTAURAÇÃO DA VERDADE

Em síntese, é crucial reconhecer que a restauração da verdade não é uma tarefa impossível, mas encontra mais obstáculos que condições favoráveis;

É, sem dúvida, uma jornada que requer esforços em diversas frentes e contra intervenientes com os mais diferentes interesses. As plataformas digitais continuarão aprimorando seus algoritmos de detecção e moderação, mas pode ser inútil. A prioridade da integridade da informação sobre o lucro das plataformas parece ser um dilema intransponível. Muitas plataformas e aplicativos deixam a polêmica e a destruição da verdade prevalecer, em nome da audiência e do faturamento.

Paralelamente, é essencial investir em programas educacionais que promovam o letramento digital e habilidades críticas de pensamento. Assim sendo, será possível capacitar as pessoas para discernir a verdade em meio ao mar de desinformação. Podemos resumir a situação de que o eleitor analfabeto(4) que está no comando das redes sociais precisa de um freio de arrumação.

Em última análise, a restauração da verdade exige uma abordagem que envolva não apenas as plataformas digitais. Em outras palavras, os governos, as instituições educacionais e a sociedade e suas organizações devem assumir responsabilidades. A batalha contra a destruição da verdade nas redes sociais é desafiadora, mas não insuperável.

Ao reconhecer os desafios e implementar estratégias eficazes, podemos iniciar um processo gradual de restauração da verdade.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Discurso na inauguração dos Arquivos e Centro de Pesquisa Thomas J. Dodd em Storrs, Connecticut, 15 de outubro de 1995.

(1) "Entre sem bater - Bill Clinton - A Destruição da Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/13/entre-sem-bater-bill-clinton-a-destruicao-da-verdade/

(2) "A Guerra dos Mundos (rádio) - Wikipedia" em https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Guerra_dos_Mundos_(r%C3%A1dio)

(3) "Entre sem bater - Stephen Hawking - Inteligência Artificial" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/03/entre-sem-bater-stephen-hawking-inteligencia-artificial/

(4) "Eleitor analfabeto no comando" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/02/17/eleitor-analfabeto-no-comando/